Not Like The Movies

Contatos por bolinhas de papel


Experimente estre truque e gire (sim)”

Pixies

Dois dias haviam se passado e a sensação de autocontrole era ilusória o suficiente para eu pensasse que ainda dominava o tempo, a rotina e mantinha os mesmos hábitos de duas semanas atrás. Manter a insônia sob controle havia se tornado a parte mais trabalhosa entre a noite e a madrugada, os sinais de esgotamento começavam a surgir sob uma camada fina de irritabilidade.

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Aquela era a terceira noite mal dormida em doze insones. Estou perto do recorde, o pensamento cínico me fez relaxar por alguns instantes, como se todo o resto pudesse ser ignorado e colocado em uma gaveta pesada e antiga, que nunca mais se abriria. A única quantidade de droga legal que eu havia trazido para inibir o sono estava reduzido a 20 miligramas de Profaxim.

Só me restariam mais oito horas insones, a última dose. Depois disso os pesadelos recomeçariam e a consciência me arrastaria para o júri mental, às incontáveis perguntas e aos interrogatórios intermináveis sobre o quão responsável, miserável e horrenda eu era por ainda respirar.

A roleta russa de suicídio sempre está à sua disposição, querida... Você não engoliu todos os remédios daquela vez, lembra? Mas você pode consegui-los por aqui mesmo. O nome dele é...

— ...Shino. Para remédios fortes e merdas desse tipo — o murmúrio causou uma onda de euforia similar à da ingestão compulsiva de álcool; mal senti as pálpebras pesadas quando o escuro me envolveu totalmente.

* * *

Assim que me curvei no centro do palco, a explosão de flashes e barulho me assustou inicialmente, mas causou a sensação inebriante de reconhecimento e conforto. Ergui a palma da mão e a segurei junto ao peito, acenando vez ou outra e exibindo os dentes num largo sorriso, já que para todas aquelas pessoas eu era Sakura Haruno, a herdeira.

O tempo era relativo – parecia que a salva de palmas nunca iria terminar, a sensação de triunfo jamais deixaria de ser aconchegante e os disparos contínuos das câmeras fotográficas eram similares ao piscar de olhos constante de algo à espreita; no meio dos rostos distorcidos e estranhos, reconheci a face arranhada e cortada dela.

Um sorriso mórbido, quase saudoso, apareceu no rosto ferido dela e os olhos não eram mais do que duas moedas de prata, brilhantes e famintos. Os aplausos pararam e o silêncio era mais tenebroso do que os rostos numerosos, aquele olhar mórbido se replicava na multidão e o burburinho logo era um conjunto de sussurros e perguntas, depois viraram conversas mais volumosas e, finalmente, uma cacofonia de acusações, vozes alteradas e flashes de câmeras.

­­Como se sente sabendo que...?

— ...acredita que ela fez isso? Mesmo? Ela...

— Agora que está sendo julgada, não acha...

— ...com atualizações sobre o caso Haruno, que...

* * *

Acordar abruptamente não era aquela sequência de emoções e percepção acentuada do que estava ao seu redor, nada mais era do que uma sensação sufocante de angústia, sem motivo real. Joguei as pernas para fora da cama e corri até o banheiro, mal me inclinei sobre o vaso sanitário quando o gosto amargo do vômito encheu a boca.

Quando terminei de expelir o que havia comido horas mais cedo, tentei trazer à tona o velho mantra de que ninguém sabia o que eu havia feito, de que não havia possibilidade alguma de alguém ali ter contato com o mundo exterior e que as coisas seriam esquecidas se eu as esquecesse.

Exatamente como um quadro velho, certo querida?

Esfreguei os olhos com força pouco antes da tontura me afetar completamente, não registrei mais do que a queda de temperatura corporal e o quanto de sujeira estava acumulada debaixo da pia. O latejar na têmpora veio depois e as coisas ganharam foco aos poucos, tateei os dedos na nuca e senti...

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(...a raiva fazia seu rosto se contorcer numa careta furiosa e insatisfeita conforme apertava o celular; os passos duros, ritmados, iam da esquerda para a direita e vice-versa, enquanto ouvia as explicações do outro lado da linha, a voz cansada e...)

O gosto de bile havia tomado conta da garganta e da boca, a tremedeira tomou conta do meu corpo quando tornei a vomitar. Apenas esqueça, era o mantra, foi a única coisa que havia mantido parte da minha sanidade nos meses anteriores e era parte vital nas barreiras que me protegiam de mim mesma.

— Sakura? Tudo bem? — As batidas suaves na porta acompanhavam a voz baixa de Hinata, mal notei quando ela havia entrado no banheiro ou quando havia se aproximado até encará-la sobre o ombro. — Você... Você está pálida, quer alguma coisa? Precisa ir até a enfermaria?

— Não, eu... — limpei os lábios da melhor maneira que pude e sentei no chão, enfiei a cabeça entre as pernas e esperei até que a tontura melhorasse antes de encarar Hinata. — Eu estou bem, estou bem. — Minha voz soou automática ao contar aquela mentira outra vez, da mesma forma como repuxar nos cantos dos lábios formava um sorriso mecânico e rápido o suficiente para sustentar aquela teatralidade.

Você precisa apagar os monstros, querida. Precisa fazê-los dormir, precisa esquecer, querida. Você precisa...

— Tem certeza de que não quer algum remédio ou ir até a enfermaria? Talvez eles tenham alguma coisa que possa te ajudar... — a hesitação na voz de Hinata era nítida e parecia que ela oscilava entre se aproximar e se afastar totalmente. — Olha, eu não sei que porcaria está acontecendo com você, mas estou preocupada. Seja lá...

Você já conhece o caminho para afastar a dor, querida. Conhece, não conhece?

Essa era uma pergunta retórica já que eu sabia que teria que recorrer a algo mais pesado do que míseros miligramas de inibidores de sono e entornar cafeína desesperadamente. Aquela mistura não funcionaria por muito mais tempo e as crises de abstinência não demorariam muito a prestar seus serviços, da mesma forma que as memórias haviam voltado a me assombrar.

Mantive os olhos fechados, temendo que assim que os abrisse eu veria os rostos deles ou aqueles rostos disformes cobertos por câmeras fotográficas e olhos de prata; encarava minhas próprias mãos enquanto sussurrava para Hinata:

— Eu preciso de um favor. Eu... Eu preciso de drogas, preciso delas.

* * *

A adrenalina havia se tornado recorrente no meu sistema, aquela injeção constante de alerta e percepção era mais viciante do que ingerir as pílulas ou mastiga-las. Deixavam um gosto amargo na língua e anestesiavam a gengiva; o cheiro de incenso era forte dentro daquele quarto, a meia luz que iluminava partes do cômodo parecia mais brilhante do que nunca.

Não era apenas a sensação de invencibilidade que expandia a noção de tempo, lugar e lógica, mas a certeza de que não haveria vozes, fragmentos de lembranças ou olhos prateados pelas próximas horas. Não haveria escuro, perguntas e revisões de consciência.

Toquei a superfície da mesa improvisada com caixas, observei em êxtase os vidros de diferentes formatos e cores, cheios de pílulas variadas e líquidos para injetar no antebraço. Havia papel seda, cachimbos e seringas enfileiradas, além de frascos etiquetados com capricho, peguei um deles com cautela e o girei na palma da minha mão, como se fosse uma peça de cristal extremamente delicada.

— Cuidado com isso, garota nova — virei bruscamente quando ouvi a porta sendo aberta e encarei Shino com desconfiança. Ele ergueu as mãos rapidamente e fechou a porta sem desviar o olhar. — Você não pode pagar por isso aí, então devolva onde achou. Devagar. — A voz dele era calma e didática, mas sua postura era tão tensa quanto a minha; obedeci e me afastei da mesa. — Você levou uma injeção de adrenalina, garota. O mundo parece hostil, não é?

— Vou precisar de mais — falei enquanto ele atravessava o quarto e recolhia parte dos frascos e garrafas com cautela similar à de um médico em uma cirurgia, os colocava com igual atenção dentro de uma gaveta na cômoda. Shino me encarou demoradamente e retomou sua atividade. — É o mais forte que você tem?

— É forte o suficiente para você, garota nova. — Ele foi enfático e passou a mão nos cabelos acastanhados cortados recentemente, depois empurrou a gaveta com cuidado. — Você vai continuar ligada por mais algumas horas, depois disso você pode apagar.

— Não posso apagar. Não posso — encarei-o e esfreguei a boca em nervosismo com a hipótese. — Eu... Eu preciso continuar acordada, o máximo de tempo que essas drogas puderem, entendeu? — Shino apenas assentiu automaticamente, atento a qualquer movimento brusco da minha parte ou aproximação repentina. — Quanto você quer?

— Não é uma questão de dinheiro, garota. Eu tenho apenas uma política: nada de overdoses. Isso é ruim para os negócios e encarece o transporte até aqui. — Ele cruzou os braços e deu os ombros, sem abandonar o tom didático na voz, sua postura ficou rígida outra vez quando encurtei a distância e enfiei a mão no bolso traseiro da calça jeans.

— Me arrume mais duas cartelas de Profaxim até amanhã — tirei um pedaço de papel dobrado e o segurei com a ponta dos dedos. — Duas cartelas, dezesseis pílulas, quarenta miligramas cada. — Joguei o papel no peito dele e lhe dei as costas.

Atravessei o cômodo até a porta e girei a maçaneta, parei na soleira quando Shino perguntou:

— O que diabos é isso?

— Minha parte do frete. Deixe que eu me preocupe com a overdose, garoto.

Assim que fechei a porta, mantive a mão na maçaneta mais alguns segundos enquanto me certificava de que não havia ninguém conhecido transitando no corredor; respirei fundo e me afastei rapidamente, puxei o capuz com certa força enquanto a sirene ecoava pelas paredes e o corredor lotava.

Os sussurros pareciam mais altos, os odores mais fortes, as meias palavras pareciam parte de um roteiro que eu já conhecia e a movimentação contínua me sufocava, como se eu não pudesse escapar a tempo dos olhares, das conversas murmuradas e dos gestos alusivos à alguma coisa ou alguém de quem eles poderiam estar falando.

A sensação de invencibilidade foi trocada pelo desespero quando não consegui mais avançar entre os corpos espremidos e os grupos que se formavam e se moviam nas duas direções. A taquicardia e o suor brotaram conforme o nervosismo me controlava e eu tentava sair do meio do corredor, logo surgiu a irritação e a tensão; passei a empurrá-los até atravessar o corredor.

— Aonde vai tão apressada, hein, esquisita? — O puxão brusco no meu capuz me fez parar de andar e pus as mãos no pescoço automaticamente, tentando puxar a gola do moletom para respirar. — Ora, ora... Se não é a esquisita de merda Haruno...

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Continuei parada enquanto Karin me cercava e me empurrava com força e tropecei alguns passos, os risos começaram quando não ofereci resistência ao outro empurrão e ao seguinte desse. Houve um baque surdo quando bati as costas na parede, contive o gemido de dor enquanto a ruiva apoiava um braço rente a minha cabeça.

— Acha que eu esqueci o que você fez, sua vadiazinha? — A voz dela oscilava entre a raiva pura e autoridade, os olhos dela lançariam faíscas se pudessem enquanto ela me encarava e mostrava a pele arroxeada da bochecha. — Você vai me pagar por isso, vai pagar também por ser a merdinha de assassina que você é. Vou dar a surra que sua mãe não pôde te dar, sua esquisita!

Segurei a mão dela no mesmo instante em que ela enfiou os dedos no meu pescoço com força; trinquei os dentes quando houve a obstrução de ar e inclinei a cabeça na direção dela com dificuldade.

— V-Vai mesm... fazer iss...? — Sussurrei as palavras com dificuldade, não contive o meio sorriso ao notar a confusão no olhar dela. — Ou você... vai atea... atear fogo em mim... antes? — O aperto ao redor do meu pescoço suavizou quando Karin franziu o cenho confusa, inspirei o máximo de ar que pude e tossi levando as mãos ao pescoço.

— Do que... Do que você está falando? — Ela perguntou histérica e irritada, me empurrou contra a parede e levei alguns segundos para focar minha atenção nela e não na explosão repentina de dor na base da cabeça; o ataque de risos que me dominou feria minha garganta, mas não me importei.

— Você... Você achou mesmo que ninguém ia descobrir seu segredo sujo? — Questionei sem desviar os olhos dela enquanto a puxava pelos cabelos e a empurrava contra a parede com força; o baque foi alto e ela fraquejou com o impacto. — Escuta aqui! Escuta aqui, sua vadia de merda! — Segurei seu rosto, forçando-a a manter o contato visual. — Se você ou suas amigas se aproximarem de mim de novo, todo mundo vai conhecer a Karin Incendiária, me ouviu? O que acha disso, sua vaca de merda?!

O cuspe morno dela no meu rosto aumentou meu sorriso de satisfação, desferi uma joelhada em seu estômago e a assisti se curvando e abraçando o próprio corpo. Mais. Preciso de mais. Desferi outro chute no ventre dela e senti-a estremecer, aquilo me serviu de incentivo enquanto repetia o golpe mais uma vez.

Mais. Mais. Enfiei as unhas no couro cabeludo ruivo dela e a forcei a se erguer e manter contato visual o tempo todo. Karin escorava o corpo na parede sem desviar o olhar do meu; apoiei um braço rente a cabeça dela e mantive a mão livre no pescoço dela, mal exerci pressão ao redor da garganta.

— Toque em mim outra vez e você vai pagar por ser a merdinha incendiária que você é — murmurei, sem saber exatamente o porquê de estar dizendo aquilo ou a real necessidade de fazê-lo. Tudo o que eu escutava na minha cabeça era o quanto eu precisava daquilo. — Me ameace de novo. Estou esperando Karin.

Empurrei-a com força antes de dar as costas; mal havia girado os calcanhares quando senti o aperto dos braços dela na minha cintura, o peso do corpo dela empurrando o meu contra o outro lado do corredor. Espalmei as mãos e flexionei uma perna, tentando evitar que ela me prensasse de vez.

Grunhi irritada e me empurrei com o máximo de força possível e tropecei alguns passos, o aperto ao redor da minha cintura afrouxou um pouco; aquela quantidade absurda de adrenalina injetada nas minhas veias foi necessária enquanto girava o torso e desferia golpes desajeitados na cabeça de Karin até ela afastar os braços para se defender.

Parecia que o mundo estava um segundo mais lento, que as reações dela eram extremamente previsíveis quando avancei e acertei um tapa no rosto da ruiva, o choque e a descrença dela aumentaram minha confiança. Agora dê a essa vadia o remédio dela. Não senti a dor do impacto da minha canela no tornozelo da ruiva, não naquela imersão de violência e raiva.

Não hesitei ou pensei em outra coisa que não fosse a saliva morna dela no meu rosto e o sorriso de satisfação de Karin quando ela caiu e avancei. Dê a última gota. Até a última gota. Eu ofegava de pura satisfação conforme a chutava repetidamente, uma vez, depois outra e mais outra e a observava, cada vez mais encolhida, os braços tentando proteger o corpo da melhor maneira possível.

Ela berrou de dor quando a acertei no estômago outra vez, mal senti o sorriso cínico que exibia, mal sentia o cansaço ou o suor brotando na pele. Acabe de vez com ela, vamos, acabe, acabe!

— Agora, sua...

— Oh, puta merda! Ei! Ei! — A voz abafada de Ino simplesmente se materializou de alguma forma enquanto ela me imobilizava e pressionava os braços numa chave ao redor do meu pescoço. Ela ergueu a voz num tom animado: — O show acabou! Vocês podem se divertir com o Orochimaru nos próximos minutos. Enquanto isso, que tal darem uma ajuda a nossa menina ali, seus desgraçados de merda?

Enfiei as unhas no antebraço rígido de Ino conforme ela me arrastava pelo corredor, grunhi quando vi que algumas pessoas passavam os braços de Karin por seus ombros e a levavam para longe.

— Que merda você estava fazendo? Hã? Que merda? — Ela questionou, a voz baixa e extremamente irritadiça pouco antes de me soltar. — Você deu uma boa olhada no que fez lá atrás? — Mantive uma mão ao redor do pescoço automaticamente enquanto Ino cruzava os braços.

— É meio óbvio que merda eu estava fazendo — retruquei pausadamente, retomando certo controle sobre a respiração sem desviar o olhar de Ino. — Isso não tem nada a ver com você.

— Sabe Sakura, eu não sou boa com esse papo motivacional e essa porcaria toda de passar lições de moral é parte da Hinata. — Havia seriedade na postura e na voz de Ino conforme ela se aproximava. — Mas o que aconteceu hoje... Essa merda é pessoal. Eu não sei o que foi que aconteceu, mas seja lá que porcaria você tenha a acertar com a Karin, já acabou naquele corredor, me entendeu?

— Não me diga o que fazer, Ino.

— Vou pôr dessa maneira: se quiser encarar esse centro inteiro e resolver tudo na porrada, então ótimo! Vá em frente e boa sorte. Mas não torne as coisas pessoais; você escutou bem o que eu disse? — Ela me olhava como se eu tivesse algum problema em interpretar suas palavras. Abri a boca para retrucar quando ela continuou: — E nem me venha com essa de que você não tem porcaria nenhuma a perder. Você não é burra. Você ainda tem alguma coisa a perder.

Ela me encarou com uma sobrancelha arqueada por alguns segundos até que agitei a cabeça num aceno mudo. O olhar dela se estreitou nas minhas mãos e no meu rosto antes de dizer:

— Vamos dar o fora daqui antes que alguém te confunda com um daqueles figurantes de filme zumbi.

* * *

O silêncio era estranhamente acolhedor e necessário, o som dos ponteiros se arrastando no único relógio de parede no cômodo ainda dava certa noção de tempo e ajudava a quebrar a monotonia das pontas de canetas rabiscando os papéis distribuídos sobre as mesas. Encarei o teto e observei o contorno das manchas de mofo no teto amarelado, me concentrei especificamente na cor escura e tentei imaginar se aquele era um problema recorrente por aqui.

Nos últimos quatro dias era praticamente impossível deixar de dar atenção aos olhares curiosos e descrentes que me acompanhavam na maior parte do tempo conforme era escoltada por Ino e Hinata entre um período do cronograma e outro; os murmúrios e conversas mencionavam, de um jeito ou de outro, a briga do corredor.

Havia uma centelha de insatisfação em algum canto da minha mente que ainda fantasiava se Ino não tivesse aparecido e interrompido, se todos continuassem com os gritos ensandecidos de incentivo e a adrenalina movesse meu corpo como se estivesse acostumado com a coisa toda. Apenas esqueça. Ignore tudo, faça de conta que não existiu.

— Haruno. — Havia certo asco na voz de Kakashi quando ele direcionou sua atenção a mim. — Há um questionário a ser respondido e você não vai sair daqui antes que o meu período termine — ele estreitou os olhos brevemente, como se tivesse chegado a alguma conclusão: — Você sabe escrever, não?

— Pode apostar que sim, seu cretino — murmurei.

— Tem alguma coisa que queira dizer? — O cinismo foi mais evidente dessa vez e me contentei em formar uma linha reta com os lábios, num sorriso forçado. — Acho que as minhas instruções foram claras o suficiente... Até para você.

Segurei a borda da folha de papel alinhada a uma caneta sobre a mesa, passei os olhos outra vez pelo questionário impresso sobre ética e moral e imaginei se todos realmente levavam a sério aqueles dois conceitos. Espiei sobre o ombro ao meu redor e sufoquei a vontade de levantar, pegar minhas coisas e dizer que havia sido um erro, uma piada de mau gosto quando assinei os termos e toda a papelada.

Eles pareciam mesmo se empenhar, os rostos voltados para as folhas de papel, o rabiscar constante das canetas e resmungos irritados vez ou outra como se aquele fosse um teste escolar normal, como se eles fossem estudantes normais e Kakashi Hatake fosse um professor. O que você esperava? Todos têm seu papel e, se você for uma boa garota, pode conseguir uma forma de dar o fora daqui e...

O pedaço de papel, amassado até formar uma bolinha, encostou no meu punho de forma suave e franzi o cenho assim que o notei. Olhei ao redor, um pouco confusa, e li o conteúdo:

Também acho Kakashi um cretino. Ah, bela briga. Gostei do seu estilo – S”

Reli as três frases e olhei em volta outra vez quando percebi o rapaz moreno sentado à minha direita, o corpo estirado na cadeira, os braços apoiados no encosto do assento, os olhos escuros maliciosos me encarando, como se soubessem de um segredo sujo ou de uma piada interna.

— Seria interessante se você respondesse — ele mal move os lábios quando sussurra aquelas palavras e olha para o pedaço de papel que seguro; arqueei uma sobrancelha e ele ajeita o corpo enquanto me encara. — Qual é. Você tem que admitir que é original.

— Sério? Bolinha de papel?

— Não seja tão óbvia. Só me responda e paro de te encher. — Ele esboça um meio sorriso e balanço negativamente a cabeça. — É sério.

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Eu não tenho estilo nenhum e não entendi de que estilo você está falando – S”, rabisquei as palavras rápido antes que me arrependesse amargamente de escrevê-las e amassei o papel de qualquer jeito antes de entrega-lo ao moreno.

Retomei parte da concentração no questionário e imaginei qual tipo de resposta soaria positiva aos assistentes sociais e psicólogos que leriam aquela folha posteriormente, quando ouvi o baque surdo da bolinha em cima da mesa outra vez. Dane-se. Se você está no inferno...

“Não banque a modesta, você sabe do que estou falando... Por que você foi pra cima da Karin daquela forma? – S.U (nossas iniciais são iguais e, só pra você não esquecer mesmo, sou Sasuke Uchiha)”

“Você é o namorado dela ou um investigador por acaso? – S”

Assim que amassei a bolinha de papel e a entreguei para ele, espiava sobre o ombro de tempos em tempos e não contive muito bem o sorriso que repuxou o canto dos meus lábios quando o moreno inclinou a cabeça para trás e riu, depois me encarou com aquela leve malícia de uma piada suja compartilhada, algo que somente poucas pessoas podem saber.

Ele balançou a cabeça negativamente e guardou a bolinha de papel no bolso da jaqueta de sarja que usava, apoiou a cabeça numa mão enquanto brincava com a caneta com a outra e fingia ler o questionário sobre ética e moral.

Vez ou outra eu o encarava sobre o ombro, mas não desviei o olhar nenhuma das vezes em que ele me olhou de volta.