Not Like The Movies

O silêncio também sufoca


“Minha alma vai escorregar”

Cold Specks

Beberiquei o chá amargo num movimento mecânico enquanto espiava o refeitório sobre a borda do copo, o vapor mantinha meu nariz aquecido e voltei a encarar as portas duplas pela terceira vez. Meus ombros pareciam ser feitos de pedra quando coloquei o copo sobre a mesa e estiquei o pescoço na direção da única entrada e saída do refeitório.

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Um formigamento agradável se espalhou pelo meu corpo quando consegui avistar Naruto e Sasuke atravessando as portas duplas, continuei espiando pelo canto do olho sem torcer o pescoço até que o Uzumaki ergueu o queixo na minha direção, no mesmo aceno mudo dos últimos dias, e um sorriso pequeno ressaltou as cicatrizes nas bochechas dele.

— Muito bem, desembucha — arregalei os olhos e olhei automaticamente para Ino recostada na cadeira com os braços cruzados na frente do peito, a maquiagem preta borrada nos cantos dos olhos brilhando em desconfiança e os lábios crispados numa linha reta. — O que tá rolando entre você e o rapaz do rosto cortado?

— Rosto... De onde você tirou isso? Da Sakura? — Resmunguei apressada enquanto agarrava o copo de plástico e enfiava o nariz nele outra vez.

— É, eu aprendi uma coisa ou outra com ela — o tom emburrado parecia acentuar os olhos estreitos dela quando eu finalmente ergui o olhar. — Então, você pode me explicar o que foi que eu perdi porque, pelas minhas contas, faz uma semana que você e o candidato à presidência do comitê de drogas estão trocando esses sorrisinhos.

Uma mistura de choque e vergonha deixou um gosto amargo na minha boca, mais do que aquele chá quase gelado que eu insistia em tomar enquanto era fuzilada pelo olhar da loira. E parecia que, naquele momento, Ino era capaz de ler a minha mente.

Bem, que merda.

— Não me venha com essa cara de “que merda” pra cima de mim, Hinata — o tom quase irritado na voz dela aumentou o meu nervosismo e a postura autoritária conseguia me fazer travar; eu precisava mudar de assunto, mas o máximo que conseguia fazer era manter os olhos arregalados e tentar controlar a minha respiração disparada.

— Não tem nada rolando, Ino — consegui mexer os lábios e olhei ao redor, desesperada para que uma briga acontecesse, alguém parasse de respirar e começasse a tremer no chão ou que Sakura surgisse feito mágica – qualquer coisa servia para fazer Ino desviar sua atenção de mim.

— Ah, não, não é o que parece.

— Dá pra parar com esse interrogatório? — Agitei as mãos e suspirei quando Ino torceu a boca numa careta; segurei o copo com um pouco mais de força do que o necessário e encarei o fundo vazio enquanto fingia que tomava chá.

— O chá não vai aparecer feito mágica no seu copo só porque você quer me ignorar, Hinata — tentei disfarçar como a capacidade de observação de Ino me assustava e me forcei a manter os olhos colados no tampo da mesa. Uma pequena parte da minha cabeça me orientava a evitar contato visual com a loira, já que, uma hora ou outra, alguma coisa iria acontecer e chamar sua atenção.

Se eu continuasse a contar as manchas de gordura da mesa, talvez eu pudesse prolongar o silêncio entre nós duas até que Ino se preocupasse com outra coisa.

— Você vai me contar o que está acontecendo ou eu tenho que ir até lá e perguntar pro Uzumaki, hein?

— Você tá bem? — Quando finalmente ergui a cabeça, Ino continuava com os braços cruzados e os olhos apertados e Sakura depositava uma bandeja de metal em cima da mesa. A curiosidade estava praticamente escrita no rosto de Sakura assim que ela insistiu: — Hinata? Tudo bem? — Eu ainda não conseguia formular resposta nenhuma debaixo dos olhos afiados de Ino, então Sakura apontou com a cabeça na minha direção e perguntou para a loira: — Ela está bem?

— Depende. Se você acha que ela está bem enquanto troca sorrisinhos com o rapaz do rosto cortado, então ela está bem pra caralho.

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— Ino! E-Eu...

— Sério? Sorrisinhos? Como as meninas nos filmes? — Um meio sorriso apareceu automaticamente no rosto de Sakura quando ela apoiou um braço no encosto da cadeira. — Você está vermelha, Hinata. A culpa é dele?

— Pode apostar que é. — Ino emendou e eu praticamente engasguei com a saliva nessa hora.

— Conta uma coisa, Hinata: vocês dois estão se aproximando, é isso? No sentido de troca de saliva e coisa do tipo. — Sakura apoiou um braço no encosto da cadeira enquanto jogava as pernas na minha direção debaixo da mesa. Ino olhou alarmada para Sakura antes de voltar a me direcionar um olhar perplexo.

— Será que vocês não podem dar um tempo nessa porcaria de interrogatório? — Explodi sentindo que meu rosto continuava a esquentar conforme os olhos de Ino apertavam e o sorriso de Sakura aumentava. Olhei para uma esperando um pouco de colaboração para encerrar o assunto, e só ganhei uma risada curta. Não adiantava muita coisa apelar para a outra.

— Ele está olhando pra cá? — O rosto de Ino ficou inflexível enquanto ela cuspia as palavras e Sakura virou o tronco para trás antes de responder:

— Ahã. Positivo.

— Vocês duas estão num complô, é isso? — Apontei para cada uma e senti meu coração disparar assim que elas trocaram um olhar rápido. — Vocês sabem que eu sei onde vocês dormem, não é?

— Bom, já que você não quer me explicar o que está rolando, eu vou escutar o outro lado da história — a resposta sarcástica e muito bem elaborada que eu gostaria de disparar simplesmente sumiu e meus lábios secaram quando Ino afastou a cadeira e levantou. Parecia que o meu cérebro cheio de choque conseguia processar o barulho das pernas da cadeira arranhando o piso e o suspiro quase conformado que a loira soltou quando pôs os olhos em mim outra vez.

Merda.

— Tá legal! Tá legal Ino! — As palavras escaparam num tom mais desesperado do que imaginei e senti que o meu rosto ardeu mais ainda quando espiei sobre o ombro de Ino e percebi que Naruto e Sasuke inclinaram as cabeças na nossa direção. — Eu vou explicar, só... para de me olhar assim. Você está me assustando.

Eu conseguiria ficar mais calma se Ino descruzasse os braços e se Sakura tirasse aquele meio sorriso do rosto, mas o máximo que consegui foi respirar fundo e evitar contato visual com as duas, conforme cuspia:

— A gente conversou e... estamos num tipo de trégua — aquela era a explicação plausível que eu tinha elaborado desde a semana passada e me parecia suficiente até que Ino e Sakura escutaram. — M-Mas é só! Só uma trégua, como duas pessoas adultas e civilizadas fariam caso, vocês sabem, conversassem. — Meu rosto ardeu ainda mais quando o sorriso de Sakura aumentou: — E não tem nada de interesse de troca de saliva, nada dessa porcaria! — Emendei enquanto torcia para que aquilo soasse convincente para nós três.

O silêncio não durou mais do que um minuto e soltei o ar com força assim que Sakura comentou num tom quase risonho:

— Muito bem, então.

— Trégua? Trégua?! — Ino repetiu e curvou o tronco sobre a mesa, os olhos continuavam apertados quando ela encarou Sakura depois de um longo olhar inquisidor. — Tira essa porcaria de sorriso da cara, o assunto é sério.

— Você sabe que ela não é uma criança indefesa, né? — Sakura pegou um dos sanduíches da bandeja e o apontou para Ino. — Eles estão em trégua. Sem troca de saliva. Mas estão trocando sorrisinhos como dois adolescentes apaixonados e...

— I-Isso não é verdade! — disparei nervosa e apontei para Sakura, que parecia não saber o que fazer com a comida enquanto ria baixinho. — Pelo menos eu não fico trocando bolinhas de papel com declarações de amor. — Um sorriso brotou nos meus lábios assim que a Haruno ficou muda e arregalou os olhos. — Por favor Sasuke-kun, não me deixe sem os seus beijos!

— Ah, por favor! Eu vou vomitar!

— Cala a boca, Hinata!

Sasuke-kun, Sasuke-kun! — Afinei a voz e pisquei os cílios várias vezes enquanto Ino apertava a ponte do nariz e Sakura levantava e tentava enfiar em pedaço do sanduíche na minha boca. — Me beije, Sasuke-kun! É assim que você escreve?

— Eu não preciso vomitar agora, Hinata. — A loira avisou pela segunda vez enquanto alternava os olhares rígidos para nós duas. Apertei o braço da Sakura enquanto ela rosnava que eu tinha que ficar quieta e estava quase gritando naquela voz afinada quando um bom naco de pão foi enfiado na minha boca.

Quando Sakura se afastou e ocupou a cadeira ao lado de Ino, nós três nos encaramos e a risadinha histérica que eu havia segurado desde que havia provocado a Haruno escapou dos meus lábios e pareceu contaminar as outras.

Houve apenas um momento de silêncio antes de trocarmos olhares e a vontade sufocante de rir voltou a imperar. Naqueles minutos, eu percebi que havíamos criado laços mais fortes do que a amizade e que elas sempre seriam as primeiras pessoas com quem eu poderia contar. Não importava para que, elas estariam ali.

* * *

A tarde estava estranhamente quieta e os corredores estavam quase vazios quando nós três andamos até os armários, Ino continuava com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta jeans puída e os olhos distantes desde que o período do cronograma de aulas havia acabado. Sakura escorou o corpo no armário ao lado do meu enquanto eu passava os dedos pelos números até acertar a combinação da tranca.

Os trovões explodiam do lado de fora e a chuva caía há mais de uma hora, mas não era por isso que eu continuava espiando sobre o ombro vez ou outra. Existia uma parte bem arraigada na minha cabeça que se recusava a esquecer o que havia acontecido na semana passada e essa parte continuaria a existir por um bom tempo.

— Então, o que a gente pode fazer? Faz um tempo que a gente não faz nada juntas e... — tagarelei e boa parte do que eu havia ensaiado mentalmente para convencê-las a jogar cartas ou algo do tipo simplesmente desapareceu da minha cabeça quando Ino me encarou.

— Outra hora, Hina — o tom rouco na voz dela me fez esticar a mão para tocá-la. — Eu só estava... Sabe, pensando e... Agora não é uma boa hora pra gente ficar juntas. Não estou no clima — ela voltou a encarar algum ponto no chão e ergueu os ombros num gesto mecânico.

— A gente se vê depois — franzi o cenho quando Sakura respondeu e minha garganta travou quando Ino balançou a cabeça num tipo de aceno e se afastou com as costas eretas e a cabeça erguida. — Dê espaço pra ela, Hinata. Você sabe que ela precisa disso.

O aperto na minha garganta ficou insuportável quando Gaara dobrou o corredor na nossa direção e, se ele tivesse olhado para trás, também teria acompanhado as costas de Ino sumindo pelas portas duplas; mas ele manteve os olhos fixos em frente quando passou por nós duas.

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— Ei, Gaara! Espere por miim!

A descarga de pânico gelou o meu sangue quando reconheci a voz de Matsuri ecoando pelas paredes e uma centelha miserável de adrenalina ou senso de preservação me fez agarrar Sakura pelo pulso e escancarar a primeira porta que encontrei. Eu estava pronta para fechar a porta com força, mas Sakura me segurou pela cintura e me puxou para trás, então o máximo que consegui foi empurrá-la até restar uma fresta.

O espaço entre a soleira e a porta trouxe à tona a paranoia de que Matsuri sabia exatamente onde nós duas estávamos. Fechei os olhos com força quando ela cantarolou, naquela voz insana:

— Gaara, espera por miiim!

— Que merda..? — Foi o máximo que consegui escutar da voz sussurrada de Sakura enquanto eu tentava controlar a minha respiração disparada.

— Você não costumava me tratar assim. Vai acabar partindo o meu coração — um arrepio escalou a minha espinha quando imaginei o quão próxima daquela porta Matsuri estava, já que a voz dela parecia alta e alegre. — Se continuar se esquivando desse jeito, eu posso entender que você não tem mais interesse em saber como é...

— Não precisa mais se preocupar em me seguir, Matsuri, porque eu cansei dessa porcaria toda. Vocês duas vêm mentindo pra mim esse tempo todo — ele cuspiu as palavras e a explosão raivosa não combinava com a máscara fria e indiferente que Gaara usava todos os dias. — Eu não vou mais bancar o idiota nessa história.

— ...nas suas palavras, garoto... — a voz de Matsuri havia abaixado e não havia mais alegria nas suas palavras, isso eu conseguia perceber. — Ou ela vai pagar.

— Ela está morta. — O timbre de voz dele continuava aumentando e o silêncio que se instalou em seguida pareceu durar mais do que alguns segundos. — Ou vocês podem trazê-la de volta, hã? Conseguem resolver isso? Porque se vocês conseguirem, aí sim eu jogo conforme as regras daquela vaca arrogante que é a sua chefe. — Houve outra pausa e pareceu que a voz dele estava um pouco mais controlada dessa vez: — Então seja uma boa garota de recados e volte a fazer o seu trabalho de relatório.

Continuei prendendo a respiração enquanto tentava não me mover e eu sentia o suor brotando nas minhas pernas e nas minhas costas; Sakura continuava me apertando pela cintura e eu poderia jurar que ela também mal respirava naquele momento.

Uma parte da minha cabeça continuava horrorizada com a ideia de que Matsuri estava tão perto, mas outra parte simplesmente registrava cada palavra que Gaara cuspia com raiva. Virei o pescoço para cima e espiei o rosto concentrado de Sakura e minha garganta travou quando a risada de Matsuri ecoou através da fresta da porta.

— De onde você tirou isso, garoto? — Na minha cabeça, Matsuri havia se aproximado o suficiente de Gaara para notar a fresta da porta e farejar o meu medo. Precisei trincar o maxilar e fechar os olhos com força para prender o grito que ameaçava escapar. — Alguma coisa cresceu no meio das suas pernas, é? Porque isso explicaria de onde você tirou essa coragem toda pra falar desse jeito.

— Não ferre comigo, Matsuri.

— Ou o que, Gaara? Vai bater numa garota? — A risada histérica dela encobriu qualquer coisa que o ruivo tenha dito em seguida, e eu pensei que não suportaria mais conter todo o horror e o medo que me consumiram quando escutei aquele maldito riso. Eu ainda me lembrava da risada dela enquanto recebia a primeira rodada de murros e chutes. — Eu não ferrei com você ainda, ruivinho.

— Não me toque, porra.

— Ei, ei, garoto, acho que você esqueceu que ainda está jogando conforme as regras da vaca arrogante que é a minha chefe. — O tom suave na voz de Matsuri me fez estremecer e Sakura me apertou com um pouco mais de força enquanto as minhas pernas tremiam pelo esforço em me manter de pé. — Acontece que você aceitou toda essa porcaria quando pegou a grana e colocou a sua irmãzinha doente numa clínica chique. Não tem essa de pular fora, ruivinho. Não nessa altura do campeonato.

— Puta merda — o sussurro de Sakura quase me fez berrar e apertei os olhos enquanto controlava minha respiração o melhor possível.

— Eu não sei se aquela desgraçada consegue ressuscitar os mortos, mas eu sei que você não consegue se livrar dela tão fácil assim. — Tentei não imaginar o sorriso divertido puxando os lábios de Matsuri e tentei não imaginar os olhos brilhando enquanto cuspia cada palavra; tentei não imaginar a forma como a cabeça dela ficaria inclinada sobre o pescoço enquanto ela cutucava Gaara.

— Eu já disse que não vou mais bancar o idiota nessa história.

— Então vai bancar o mocinho arrependido? Você? — Os dois ficaram em silêncio por poucos segundos, até que Matsuri completou, ainda naquele tom de voz alto e afetado: — Foi exatamente o que eu pensei.

Eu ainda estava com os olhos fechados quando um barulho metálico interrompeu a quietude do lado de fora, enfiei os dentes na língua assim que percebi que Gaara poderia estar chutando os armários enquanto xingava e amaldiçoava Matsuri. Meu corpo tremia a cada pancada brusca e o barulho dos chutes me lembrava os trovões que cortavam as nuvens carregadas fora do prédio.

Quando desabei e escorreguei pelo carpete com a respiração agitada, Sakura passou as pernas por mim e alcançou a porta entreaberta com duas passadas longas.

— Eles já foram — acenei freneticamente com o comentário de Sakura e minhas pernas pareciam ser feitas de chumbo quando me levantei e arrastei os pés até a saída.

Olhei para os armários assim que passei pela porta e eu não conseguia desviar os olhos de uma porta da penúltima fileira, eu não conseguia olhar para outro lugar que não fosse aquele pedaço de alumínio meio amassado.

— Hinata — parecia que as minhas articulações eram feitas de ferro quando eu finalmente encarei Sakura; o rosto pálido não escondia muito bem sua agitação e uma espécie de convicção brilhava nos seus olhos. — Vem, vamos dar o fora.

O armário meio amassado sumiu do meu campo de visão assim que Sakura nos guiou pelo corredor em linha reta, os passos apressados dela me forçaram a copiar seu ritmo e soltei o ar com força assim que olhei sobre o ombro e percebi que não havia ninguém atrás de nós. Quem se daria ao trabalho, já que ninguém sabe que vocês estavam escondidas naquele quarto?

Tentei me convencer de que Gaara e Matsuri – principalmente ela – não sabiam que nós duas estávamos enfiadas no quarto no meio do corredor em que eles estavam discutindo. Não, docinho, não discutindo. Trocando ameaças.

Quando percebi que Sakura estava chegando perto da biblioteca, senti que havia recuperado boa parte do autocontrole assim que a necessidade de espiar sobre o ombro havia diminuído. Sakura empurrou uma das portas duplas e as dobradiças rangeram enquanto a poeira irritava meu nariz. Puxei a primeira cadeira que vi e praticamente desabei nela.

— Sakura? — Ela continuava agitada e não parava de entreabrir a porta e espiar pela fresta, depois se afastava e dava meia volta enquanto esfregava a boca. — Tudo bem? — Franzi o cenho assim que ela virou a cabeça na minha direção, uma parte do capuz havia escorregado pelo topo da cabeça e o cabelo rosa estava bagunçado.

Apesar da agitação, havia uma espécie de certeza e assombro brilhando nos olhos de Sakura, mesmo que fosse por alguns segundos. Repeti a pergunta outra vez e, assim que ela voltou a espiar pelas portas, eu percebi que a agitação dela não era apenas por termos escutado Gaara.

— O que é que está acontecendo? — Disparei a principal pergunta que cutucava o meu cérebro desde que eu abri aquela porta.

Levou algum tempo até ela finalmente fechar as portas duplas, dar passadas longas na minha direção e sussurrar:

— Eu posso estar pirada, mas acho que o Gaara não é o cara certo — eu considerei que ela poderia estar agitada daquela forma por conta dos remédios que ela tomava durante as madrugadas e dias ruins. Mas havia lucidez nos olhos dela. Aquilo foi o que embrulhou o meu estômago. — Não foi ele, Hinata. Ele não matou a família da Ino.

* * *

A minha cabeça ainda ardia quando consegui chegar até a diretoria. Metade do meu cérebro fervia com tudo o que Sakura havia despejado na tarde anterior – a pasta que continha toda a vida dele antes de entrar aqui, a discussão que ela teve no meio do corredor algumas semanas antes e a discussão que ela teve com Ino pouco depois -, enquanto a outra metade procurava explicações racionais que contradiziam o que eu havia escutado.

Arrastei os pés até o balcão e o sorriso mecânico, bem treinado de relações públicas praticamente nasceu no meu rosto assim que Kurenai ergueu os olhos de uma pilha de papeis e me perguntou o clássico:

— Tudo bem com você?

— Claro, tudo bem — era a resposta padrão e o tom igualmente mecânico fez a minha garganta doer. — Na verdade, eu precisava...

— Ah, aí está você. — O rosto sério de Tsunade pareceu endurecer assim que ela me olhou. Ela descruzou os braços e deu um passo para o lado, deixando a passagem livre para o corredor minúsculo que conduzia até sua sala. — Preciso conversar com você. O assunto é sério.

A postura extremamente ereta dela e os lábios formando uma linha fina acionaram a parte fantasiosa e infantil na minha cabeça que alimentava esperanças de que, talvez, eu poderia sair daqui. Hiashi tinha pensado outra vez. A minha mãe tinha conseguido cumprir a promessa de tantas cartas e viveríamos juntas.

Essa parte esperançosa afastou por algum tempo a preocupação com Ino, Sakura e o medo de ser pega no meio do corredor outra vez. Respirar era quase tão fácil quanto antes, e por isso me mexi e segui Tsunade até sua sala. Assim que ela fechou a porta e contornou a mesa de madeira, aquela voz infantil e fantasiosa cresceu até criar as frases que Tsunade diria.

Estou feliz por dizer isso, especialmente para você. Era assim que ela começaria e logo um meio sorriso puxaria seus lábios.

— Eu não gostaria de dizer isso. Ainda mais para você, Hinata — a voz dela suavizou como se ela estivesse falando com alguém muito ferido ou instável. — Então eu vou direto ao assunto.

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— O que... — eu não havia sentido que os meus lábios continuavam repuxado naquele sorriso treinado até aquele momento. Minhas mãos começaram a suar assim que ela disse:

— Encontraram a sua mãe nessa madrugada, Hinata. Não chegaram a tempo de... — Não era só um torpor que anestesiava meus dedos e fazia minhas pernas gelarem, mas também parecia que meus pulmões explodiriam se eu puxasse mais ar e tudo o que eu conseguia fazer era piscar bem devagar enquanto tentava entender o que Tsunade estava falando. — ...demais. Eu soube nessa manhã.

— Não, não, ela... Ela me escreve cartas — foi a única coisa coerente que consegui me agarrar quando encarei o olhar angustiado de Tsunade. — Quer dizer, ela...

— O médico constatou que foi uma overdose acidental, mas...

— Ela não faria isso — murmurei enquanto a voz da diretora continuava ecoando, absurdamente distante, sobre detalhes como exames de delito, investigação e reportagens. Balancei a cabeça para os lados e eu queria que Tsunade enxergasse que aquilo era mentira. — Ela não faria nada disso, eu sei...

O que? O que você sabe, hã, docinho? Pelas suas contas, não tem nada que você saiba mesmo da família.

Tentei levantar e sair dali, mas parecia que não havia fôlego ou forças suficientes para me manter de pé, então desabei na cadeira e agarrei a borda da mesa.

— Não existe forma fácil de dizer isso, querida, mas sua mãe não foi socorrida a tempo. Ela não foi — eu não conseguia levantar a cabeça e suportar o olhar penalizado e angustiado de Tsunade, eu não suportaria esse tipo de olhar enquanto era informada que eu estava sozinha no mundo. — Eu sinto muito, eu sinto muito.

Eu ainda me lembrava de ter arranhado a maçaneta enquanto abria a porta e de ter dobrado o corredor, mas não conseguia me lembrar em que ponto eu havia saído da sala de Tsunade e alcançado a saída da diretoria. Eu também não conseguia me lembrar como ou porquê Ino e Sakura estavam dobrando um corredor na direção do pátio ou qual das duas me segurou primeiro.

Dessas coisas eu não conseguia me lembrar, só daquela voz agoniada e ferida que rompeu a minha garganta quando as duas me abraçaram e ficaram do meu lado enquanto eu finalmente quebrava ao meio de novo.