Not Like The Movies

Ciclos sempre fecham


“Essa vida parece te deixar de joelhos”

Jake Bugg

O corredor parecia ridiculamente estreito para cinco pessoas se espremerem nele e a falta de espaço era ainda pior se você levasse em conta os olhares mal-humorados de Ino, Gaara e Naruto. Mantive a perna apoiada na parede em que havia três cadeiras enfileiradas e Hinata se remexeu na cadeira do meio pela quarta vez.

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Gaara estava determinado a manter os pés plantados na entrada da secretaria, enquanto Naruto se mantinha encostado no balcão e encarava o teto; já Ino estava realmente ocupada lançando olhadelas mal-encaradas para o ruivo ou para mim. Existe ódio no seu olhar? Asco? Arrependimento? Arrependimento amargo? É. Talvez.

Parecia que estávamos ali há horas, mas mal havia se passado dez minutos desde que Tsunade havia mandado que movêssemos nossas bundas adolescentes até a secretaria. Sakura havia sido a primeira a dobrar o corredor até a sala minúscula de Tsunade e estava ali para formalizar a queixa que Hinata havia apresentado no dia anterior.

— O quê? — Perguntei irritado quando Ino dedicou mais tempo do que o necessário para me encarar com aqueles olhos transbordando em puro ódio cego. O máximo que obtive como resposta foi um longo suspiro cansado seguido de um revirar de olhos.

— Era mesmo necessário envolver a trupe toda, Hinata? — Ela estava direcionando seu melhor olhar raivoso para Naruto e para Gaara, até entortar a boca naquele maldito sorriso cínico e me encarar outra vez.

— Foi a porra da trupe que ajudou a sua amiga, Yamanaka. — Naruto respondeu num tom mais ácido do que o normal e sustentou o olhar irritado dela por um bom tempo antes de continuar: — A ideia genial e brilhante de tornar tudo oficial foi de vocês, e não nossa.

— O que você queria, Naruto? Que a gente simplesmente ignorasse o que a Karin e aquelas malditas sombras dela fizeram? — Hinata parecia verdadeiramente ofendida com a sugestão de Naruto e apertou os próprios dedos enquanto o encarava; os dois se encaravam com incredulidade e irritação genuínas. — É sério?

— As coisas não funcionam como no seu mundo cor de rosa, princesa Hyuuga — Naruto inclinou um pouco o tronco na direção de Hinata e endireitei a postura automaticamente. A voz dele transbordava puro desdém enquanto Ino estreitava ainda mais os olhos ao se aproximar. — Na vida real, merdas como essa acontecem e não há nada que...

— Eu não sou a porra de uma princesa — as mãos de Hinata tremiam enquanto ela cuspia as palavras com seriedade e os lábios de Naruto formavam um sorriso cínico conforme ele voltava a apoiar o tronco contra o balcão. — Babaca.

— Nossa, você partiu o meu coração — ele emendou assim que Ino disse:

— Por que você não vai ir se foder, Naruto?

— Calem a droga da boca. — Foi a primeira vez que Gaara se pronunciou e parecia que ninguém conseguia resistir ao impulso de se sentir ultrajado enquanto o encarava. Por alguns segundos, todos permaneceram em silêncio enquanto o ruivo enfiava as mãos nos bolsos da calça jeans e encarava os próprios pés enquanto emendava: — Só... fiquem quietos.

— Ninguém pediu a sua opinião — a resposta de Naruto foi automática e intensificou ainda mais o clima tenso. — Eu não estaria aqui, perdendo o meu tempo, se...

— Na verdade, você não é obrigado a ficar aqui, cara. Você tem duas opções: ou cala a boca ou cai fora — interrompi o Uzumaki e apontei para a saída com a cabeça, enquanto tentava não me irritar com aquela droga de sorriso cínico que ressaltava as cicatrizes em suas bochechas. Ensaiei meu melhor tom casual enquanto a raiva fervilhava meu sangue e trazia à tona o timbre irônico na minha voz: — O que vai ser?

— Seria muito bom se ele fosse inteligente o suficiente para saber escolher, Uchiha — Ino alfinetou enquanto o desdém aumentava em sua voz, como se fosse palpável o suficiente para encobrir todo o cômodo. — Mas aí vai uma dica, Uzumaki: ninguém precisa que você perca o seu precioso tempo aqui.

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— Por que vocês não param com essa merda e ficam quietos?

— E por que você não cala a boca, verme? — Gaara mantinha a expressão indiferente no rosto enquanto Ino cuspia as palavras com mais desdém ainda, mas os olhos dele não acompanhavam a frieza e a arrogância que ele se esforçava em manter na sua postura. — Por que ele está aqui mesmo, Hinata?

— Ino... — a voz de Hinata parecia extremamente cansada quando ela murmurou o nome da loira, mas aquilo apenas serviu para inflar a versão durona que Ino mantinha na frente de Gaara.

— Porque ele também ajudou a sua amiga, Yamanaka. — Foi Naruto quem respondeu e a Yamanaka não era a única em choque. — Você adora nos desprezar, como se você fosse a porra do centro do planeta, não é Ino? A menina órfã que se enfiou no mesmo buraco que o assassino da família, que grande história!

— Naruto — a voz alarmada de Gaara soou mais como uma advertência desesperada do que um aviso convincente de que ele estava passando dos limites.

— Você não...

— O que? Não te conheço de verdade? — Naruto a interrompeu e seu sorriso aumentou quando ele percebeu que Ino estava paralisada em seu lugar, com os punhos trêmulos rente ao corpo. — Quem é idiota o suficiente para pensar que vai pegar o real assassino da família se enfiando numa droga de lugar como esse?

— De que porcaria você está falando? — A pergunta sinceramente confusa de Hinata traduzia muito bem o pânico que se instalou no rosto de Gaara e que embrulhou o meu estômago.

— Naruto, já chega — sussurrei enquanto me colocava entre os dois loiros.

— O que você quer dizer com essa merda de assassino? — Ino enfiou as unhas no meu ombro, tentando me tirar do meio do seu caminho enquanto Hinata a puxava pela cintura. — Que merda é essa, Uzumaki? Do que você está falando?

— Você sabe que você não tem o direito de...

— Essa porra de teatro cansa, sabia Sasuke? — Naruto aumentou ainda mais a voz, me interrompendo e ganhando a atenção de Hinata e de Ino; franzi o cenho quando ele alternou seu olhar para Gaara e para Ino. — Vocês não se cansam dessa brincadeira de gato e rato?

— Cala a boca, agora! — Gaara marchou na nossa direção e agarrou Naruto pelo colarinho da camiseta; enquanto um tremia de nervosismo, o outro aumentava o sorriso cheio de dentes.

— Ele tinha razão, Gaara — o murmúrio baixo e controlado de Naruto fez a minha respiração disparar e parecia realmente insano que toda aquela situação fosse verdade. — Sasuke tem razão, então por que você vai continuar bancando o assassino?

O silêncio que se instalou era pesado e parecia que Ino iria vomitar a qualquer instante enquanto ela empalidecia ainda mais e dava passos trôpegos para trás, como os seus pés pudessem fazê-la escapar das perguntas e tentativas de conclusões que brotavam na sua cabeça; Naruto afastou as mãos de Gaara de seu colarinho sem qualquer resistência e sua expressão endureceu automaticamente quando encarou Hinata.

Que grande merda. Meu estômago continuava embrulhado enquanto eu tentava digerir que diabos havia acontecido e tentava assimilar que havia sido Naruto a jogar toda a porcaria no ventilador.

— Quem é o próximo? — A voz imperativa de Tsunade ecoou pelo cômodo apertado enquanto Hinata e Ino ocupavam as cadeiras, Gaara agachava como se não conseguisse se manter de pé e eu apoiava as mãos no balcão e tentava controlar meu pulso. — O que aconteceu aqui?

Aquela era uma pergunta muito boa.

— Eu vou — foi tudo o que Naruto disse e, mesmo quando ele saiu da secretaria e dobrou o corredor até a sala de Tsunade, o ar continuava insuportavelmente pesado. Ergui os olhos para Hinata e depois tentei encarar Gaara e Ino, mas eu sabia que não suportaria ver o choque deles sem me lembrar que eu também fazia parte daquela porra de teatro.

* * *

Mas que bela porcaria, garotão. Isso não estava nos planos, não é?

Eu tentava sustentar a camada de casualidade e sufocar aquela maldita voz irônica na minha cabeça, mas o máximo que eu conseguia como resultado era instigar a parte macabra da minha imaginação que criava garras e dedos acusatórios na minha direção, acompanhados por velhos fantasmas sangrentos dos meus pais. E dele.

A letra cursiva e as poucas palavras contidas naquela folha de papel sulfite faziam as minhas mãos tremerem e eu continuava apertando as bordas da carta, enquanto o suor brotava e escorria pelas minhas costas e palmas.

— ...Sasuke? — Eu não conseguia registrar nada do que Tsunade falava, porque toda a minha atenção estava presa naquele pedaço de papel nas minhas mãos. — ...bem? Quer que...

— Eu estou bem — a frase mecânica finalmente escapou da minha boca seca e me forcei a sorrir feito um robô assim que ergui os olhos para o rosto preocupado de Tsunade. — Isso... Merda, eu não estava esperando uma carta. Só isso. Desculpe.

— Você reconhece essa letra? — O tom incisivo dela falava mais alto do que sua curiosidade e a mentira brotou com facilidade:

— Não.

— Sabe quem poderia ter escrito? Você não recebe muitas correspondências e a sua advogada também não tem ideia de quem fez isso — ela cruzou os braços e inclinou o corpo para frente enquanto os seus olhos me analisavam e eu me forçava a construir mais uma camada de casualidade.

— Não, não tenho a mínima ideia — as palavras deslizavam com mais facilidade e tentei ajeitar meus ombros e a minha coluna como se estivesse relaxado enquanto colocava a carta sobre a mesa. — Pode ser um trote ou uma piada ruim — o gosto de bile encheu o céu da boca, mas eu mantinha a porcaria do meio sorriso colado no rosto. — Acho que ainda sou popular lá fora.

Observei Tsunade recolher a carta e analisar a única frase escrita à mão por um bom tempo antes de voltar a dobrar o papel e me encarar; o silêncio durou o suficiente para que a mensagem daquela maldita carta instalasse a necessidade de vomitar junto com a paranoia, que parecia deturpar qualquer linha de raciocínio sã para uma versão conspiratória e sombria.

No que você prefere acreditar, hein? Que essa é uma piada ruim? O suor deslizou pelas minhas costas e eu sentia o tecido da camiseta grudando na minha pele enquanto os olhos castanhos de Tsunade pareciam ser capazes de visualizar exatamente o que se passava pela minha cabeça.

Tem certeza de que ele está mesmo morto?

— Então, você... Precisa de mais alguma coisa? Posso ir? — Empurrei a cadeira com força assim que Tsunade moveu a cabeça numa concordância muda e minha cabeça ainda girava quando agarrei a maçaneta e...

(...estava escorregadia e parecia que todos na casa escutariam as malditas dobradiças rangendo e seu coração disparado conforme ele movia os pés sobre o piso amadeirado e entrava no escritório.

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O cheiro de madeira foi a primeira coisa que registrou enquanto seus olhos se adaptavam à baixa luminosidade e distinguiam os móveis. Ele reconheceu a poltrona em que seu pai se sentava diariamente, por horas, com um copo de uísque na mão, e tudo o que ele sentia enquanto se aproximava, tremendo e ofegante, era que ninguém realmente era capaz de senti-lo, de enxerga-lo, enquanto ele erguia o braço e puxava o cão da arma.

Tudo fedia a madeira e óleo naquele cômodo, era a sua conclusão quando reconhecia o próprio pai, cochilando naquela maldita poltrona e totalmente ignorante da presença dele e da arma engatilhada mirada na....)

— Sasuke — travei assim que a escutei e virei a cabeça para encará-la: — Tem certeza de que nada vêm à sua cabeça sobre essa carta?

(...a sua cabeça girava enquanto uma letargia tomava conta das extremidades do seu corpo franzino e que mal se continha de tanta adrenalina, horror e consciência. Ele sabia que os cheiros de sangue morno, pólvora e madeira iriam persegui-lo em seus piores pesadelos, mas aquela voz fria, adulta e totalmente ciente que guiava seus passos até o corredor outra vez, dizia que as coisas ficariam bem.

É, elas ficariam. Ficariam sim. Ele arrastou os pés, com leveza, como se ninguém realmente se lembrasse de sua existência e subia os degraus, já que...)

— Não. Nada. — Menti e sustentei o olhar analítico de Tsunade até ela relaxar na cadeira outra vez. — Só por curiosidade: quem contratou a minha advogada? — Cocei o queixo e ergui uma das sobrancelhas, enquanto tentava soar como se aquela carta nunca tivesse existido. — É que aconteceram tantas coisas que eu me esqueci de perguntar.

— Bom... — o murmúrio de Tsunade atiçou ainda mais a paranoia na minha cabeça e fiquei agoniado enquanto assistia a diretora revirar o prontuário verde que continha toda a minha vida. — Ela foi indicada pelo seu antigo advogado, é o que consta nessa carta de apresentação.

— Ela não é defensora pública?

— Não. — A resposta de Tsunade fez meu estômago embrulhar mesmo e eu sabia que ela analisava a minha reação. — Ela está sendo paga pelo senhor Lee. Ela te disse que era defensora pública, Sasuke? — O tom incisivo na voz da diretora aumentava ainda mais a agonia pura que me ordenava para dar o fora daquela sala o quanto antes; tentei respirar normalmente, mas eu sabia que não sustentaria a porra da casualidade por mais tempo. — Se ela mentiu para chegar até você, eu...

Você está ferrado, garotão.

— Foi mal, Tsunade, mas eu falei merda agora. É que aconteceram tantas coisas que... — a risada que interrompeu as minhas palavras apressadas foi nervosa demais e percebi que Tsunade havia notado. — Eu vou indo, então... — arrastei as palavras como se pudesse articulá-las com mais clareza, mas parecia que havia ferro fundido às minhas entranhas quando finalmente abandonei a saleta de Tsunade e marchei pelo corredor estreito até a saída.

A minha cabeça girava e eu sabia que ia vomitar quando finalmente consegui passar pela secretaria. Alcancei o banheiro com o suor brotando na minha pele e escancarei a porta do cubículo enquanto caía e despejava todo o café da manhã direto na privada.

Mesmo com os olhos fechados, eu ainda visualizava aquela folha de papel nos meus dedos pegajosos de suor e parecia que as palavras estavam queimadas na minha consciência:

Eu ainda estou por aí”

E então, como qualquer pessoa em sã consciência, fiz a única coisa sensata que pude: vomitar outra vez.

* * *

— Não é uma imitação, Naruto — insisti pela segunda vez diante do olhar cínico dele enquanto tentava fumar mais um pouco da maconha que eu mantinha equilibrada nos meus dedos. A seda queimava lentamente enquanto Naruto arqueava uma sobrancelha. — Aquela porra veio dele.

— Se continuar tremendo assim, vão achar que misturei essa porcaria com orégano — a seriedade com que Naruto disse aquelas palavras me fez ter uma crise de riso, talvez pela erva ou pela onda de agonia que me dominou assim que percebi que todo o meu autocontrole de longos quatro anos havia virado poeira. — Como sabe que é o seu irmão?

— Porque eu sei! — Retruquei histérico e assisti Naruto fumar o seu cigarro de tabaco e outras mil substâncias químicas com a calma de um verdadeiro monge. — Quando nós éramos crianças, ele gostava de dizer que era como o Bruce Lee. O maluco do meu irmão falava que se ele fosse espião, seria o senhor Lee.

Na minha cabeça com qualquer senso de lógica e levemente entorpecida pela maconha, aquela era a explicação mais simples e do mundo.

— E o que isso prova? — O tom sério e contido dele quase me fez ter outro acesso de riso, mas me foquei em tentar controlar o tremor nas minhas mãos. — Lee é um nome comum no Japão, espertinho. Talvez exista gente maluca o suficiente para achar que você está aqui por um erro do sistema, Sasuke. Esse Lee pode ser desse tipo.

Soltei a fumaça doce enquanto Naruto batia as cinzas do seu cigarro, e eu calculei que faziam uns quinze minutos desde que eu havia trotado para a saída dos dormitórios e reconheci o pátio cimentado, a vegetação irregular e o fornecedor de drogas que era meu amigo.

— Você deveria ser um juiz ou coisa parecida, já que adora provas — resmunguei irritado e Naruto balançou a cabeça, um sorriso sarcástico brotava dos seus lábios. — Se você quer uma prova, vá até a sala da Tsunade e veja a porcaria da carta — traguei mais uma vez enquanto Naruto soltava a fumaça de seu cigarro com a mesma expressão resoluta. — Foi ele. Eu sei disso.

— Suponhamos que esse tal de Lee, que está pagando a sua advogada, é mesmo o seu irmão. Isso não faz de você um assassino, certo? — Franzi o cenho automaticamente, enquanto Naruto prosseguia com calma: — Por um lado, isso explica a interferência do nada desse tal de Lee em provar a sua inocência ou diminuir a sua pena.

Aquela nova linha de raciocínio conseguiu se sobrepor a todo o interrogatório mental que ajudava a deixar os meus nervos em frangalhos e fez brotar os novos e cansativos “e se” com mais facilidade ainda.

Use o seu cérebro fodido uma vez, garotão.

— Mas, por outro lado, é estranho ele ter aparecido depois de três anos.

— Quatro — corrigi e aquilo me fez tremer como se eu estivesse com frio. De certa forma, a sensação era quase a mesma.

— Por que o seu irmão esperaria tanto tempo para entrar e contato e dizer que escapou do massacre Uchiha? — A pergunta soou quase retórica e, não pela primeira vez, permaneci num estado de torpor calmo enquanto escutava aquelas palavras com naturalidade. Fatos eram fatos. — Como que você foi pego, mesmo?

Ainda consegue pensar, não é?

— Os vizinhos escutaram os tiros e chamaram a polícia — respondi mecanicamente, mas eu sentia como aquilo soava extremamente prático. Simples demais. — Quer dizer, foi isso o que os jornais disseram.

— E o que você sabe?

— Que tipo de pergunta é essa? — Tentei soar bem-humorado, mas eu sabia que os olhos sérios e extremamente perspicazes de Naruto me esquadrinhavam e eu sentia a pressão por uma linha de raciocínio que eu me recusava a seguir. Soava conspiratória demais. — Eu sei que meus pais e Itachi estavam em casa quando eu... Você sabe, planejava atirar neles e ficar com a grana — minha voz mal passava de um murmúrio, porque eu sabia que, se fechasse bem os olhos, sentiria o maldito cheiro de madeira e de pólvora.

— Qual era a distância até o vizinho mais próximo?

A casualidade na voz de Naruto me causou arrepios porque a resposta simplesmente brotou na minha cabeça e foi transmitia pelos meus lábios secos:

— Dois ou três quilômetros.

— Os seus vizinhos, há dois ou três quilômetros de distância, escutaram tiros vindo da sua casa e chamaram a polícia como bons cidadãos responsáveis — eu sentia que estava completamente travado e o choque não me permitia nada além de permanecer em silêncio, enquanto a minha imaginação fértil recriava a cena na minha cabeça ferrada. — Você disse que a casa da sua família ficava longe, a quase uma hora de carro até o centro, isso num dia bom.

Eu queria mandar Naruto calar a boca. Com todo o resto de controle que devia haver em algum lugar, eu queria encará-lo e mandar que ele fechasse a porcaria da boca. Mas não havia restado nada além do choque paralisante, da porra do horror brotando como suor na minha pele.

— E eles foram rápidos o suficiente para te pegar quando você chegou no andar de cima. — Eu não enxergava a vegetação, os muros, o arame farpado; tudo o que eu conseguia ver era um cômodo escuro, uma silhueta acomodada na cama de casal e a porra do piso de madeira. — Então, os policiais aparecem bem quando tudo acaba... Muito cômodo.

Esfreguei as pálpebras com força, porque eu só conseguia enxergar o sangue manchando o travesseiro e os lençóis, as porcarias das lanternas dançando na minha frente enquanto me punham de joelhos e agarravam os meus pulsos.

— Cala a boca — na minha cabeça, tudo havia soado firme e me assustei quando reconheci aquele murmúrio fraco e agoniado como a minha própria voz. Eu achei que conseguiria erguer todas as barreiras e camadas de proteção antes que os velhos fantasmas me alcançassem, mas só consegui murmurar numa voz débil: — Essa merda não é real.

— Tem razão. Eu não estava falando sério — o rosto dele continuava concentrado quando ele repuxou os lábios num sorriso irônico e eu precisei de três tentativas até conseguir tragar mais um pouco da maconha até sentir que a minha cabeça ia parar de doer. — O que você vai fazer agora?

Não foram os vizinhos quem ligaram para a polícia. Eles não chegariam tão rápido se não houvesse uma viatura ali por perto, como havia nos últimos dias. Rondando. Patrulhando.

— Ficar chapado até esquecer que essa merda de conversa aconteceu.

Consegui manter o equilíbrio até me afastar de Naruto, de suas induções e de seu interrogatório e me forcei a manter a máscara de normalidade até atravessar as portas duplas que davam no corredor largo de acesso aos dormitórios.

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Eu achei mesmo que conseguiria usar aquela versão controlada e racional que havia construído desde que havia cruzado esses portões; eu pensei que seria capaz de digerir todas as informações e memórias, de entender o horror do que havia acontecido há quatro anos sem vomitar ou desmaiar.

Porra, eu achei que conseguiria ficar de pé.

O mundo girou muito rápido, e eu quase ri quando finalmente abri os olhos e percebi que havia perdido o equilíbrio. A dor que explodia na base da minha cabeça era reconfortante, já que diminuía as vozes histéricas que berravam na minha mente o quão manipulável eu era, o quão tolo que havia sido ao me enganar de que não havia feito o trabalho sujo por Itachi Uchiha.

A seda ainda queimava entre os meus dedos e prolonguei a tragada enquanto observava a ponta alaranjada ganhando brilho antes de soltar a fumaça.

— O teto parece interessante? — Uma onda de alívio surgiu com facilidade assim que Sakura inclinou um pouco o pescoço e me encarou, traguei mais um pouco enquanto ela trocava o peso do corpo para a perna boa. — Você quer mesmo ficar chapado no meio do corredor?

— Bom, o teto ficou muito mais interessante agora, Sakura — respondi enquanto sentia o tom de flerte brotando acima de toda aquela porcaria que me sufocava. — O meu plano não era ficar chapado aqui, mas... Bem... Coisas acontecem.

O sorriso mecânico repuxou os cantos da minha boca assim que as palavras arranharam a minha garganta e saíram, porque eu sentia que toda a porcaria estava sobrepujando a sensação de alívio. O silêncio se tornou incômodo e franzi o cenho quando Sakura saiu do meu campo de visão.

— O que você está fazendo, Sakura? A sua perna...

— Eu só quero me deitar um pouco, Sasuke. — Ela retrucou enquanto agachava e se deitava ao meu lado. Só percebi que estava prendendo a respiração quando Sakura apoiou a cabeça no meu braço direito e virou o rosto para me encarar.

Aquela sensação de conforto e de pertencer a um lugar relaxou os meus músculos no instante em que Sakura sustentou o meu olhar; não havia mais teorias, interrogatórios ou lugares escuros e com piso de madeira, só havia Sakura Haruno.

— Você estava me procurando? — A pergunta escapou com facilidade e meu pulso disparou quando Sakura ficou vermelha e arregalou os olhos. — Ei.... Você... Você estava mesmo me procurando? Tipo, estava preocupada?

— Não! Não, eu só... — ela voltou a me encarar com nervosismo e desviou os olhos para o teto. — Eu não estava preocupada, só pensei que... — era o primeiro sorriso sincero que surgia no meu rosto desde o momento em que eu segurei aquela maldita carta. — Coisas acontecem.

— É, elas acontecem — murmurei e afaguei a mandíbula dela enquanto inclinava o meu rosto na direção dela, eu sentia a ansiedade queimando qualquer linha de raciocínio assim que percebi que Sakura também fazia o mesmo. — Quer dizer, eu...

Quando Sakura moveu os seus lábios sobre os meus, eu a beijei de volta.