Not Like The Movies

Três é o número da sorte


Eu estou te fazendo um favor... Eu sou desprezível”

Grandson

— Você podia tentar disfarçar um pouco — me assustei com o comentário irônico de Ino e a encarei, os olhos faiscavam em raiva. — Tudo o que você tem feito nas últimas semanas é ficar encarando o verme — ela praticamente cuspiu a palavra e seus lábios formavam uma linha reta. — Tem alguma coisa acontecendo entre vocês?

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Foi a minha vez de arquear a sobrancelha e não controlei totalmente o riso, balancei a cabeça e os olhos azuis delineados de preto dela continuavam fixos em mim.

— Não, não tem nada rolando — soei ríspida e inclinei um pouco a cabeça, fingi estar interessada nas canetas espalhadas na minha mesa. — Tudo está absolutamente normal.

— Sério mesmo? Normal? — A ironia dela era irritante e Ino apertou os olhos rapidamente, permaneci imóvel enquanto aquelas duas bolas azuis astutas me analisavam com mais minúcia do que era necessário.

— É, sem pegadinhas — me esforcei para sustentar a droga da expressão tranquila no meu rosto e aguentar os nós que apertavam a minha garganta, porque nós duas sabíamos que eu estava mentindo descaradamente. Nada está absolutamente normal.

— Eu tenho que dizer, garota... — ela se ajeitou na cadeira e virou a cabeça na direção de Gaara pela última vez, os punhos dela se fecharam sobre a mesa e um sorriso falso se instalou em seu rosto quando Ino me encarou e disse: — Seja lá que merda você saiba sobre aquele verme ali, eu vou descobrir.

— Tudo bem, Sherlock Holmes. Vá em frente e desvende esse mistério — zombei e eu não sabia se o rosto dela suavizou por conta disso ou se era apenas por puro esforço.

— Eu não sabia que você tinha senso de humor, garota do capuz — foi aí que eu soube que estávamos bem, e, dessa vez, o sorriso que puxou meus lábios foi natural. — Olha aí, seu rosto sério e de garota durona também sabe o que é sorrir.

— Você andava numa Máquina de Mistério?

— Que piada horrível — ela revirou os olhos e relaxou o corpo na cadeira; quando ela balançou a cabeça e riu, consegui me distrair por meio segundo das informações que havia reunido nas últimas semanas. — É por isso que você só nos tem como amigas, está vendo?

— Claro como água.

— Continue com esses trocadilhos ruins e logo, logo você vai estar tomando seu chá esquisito sozinha e abandonada, sacou?

— Saquei.

— Ah, vá à merda — ela apontou uma caneta na minha direção e a peguei antes que Ino a jogasse. Tamborilei na mesa até Ino inclinar a cabeça e sussurrar: — Você está cem por cento? Nada de pesadelos?

Essa era uma ótima pergunta. Se eu levasse em conta que havia reduzido drasticamente as doses de Profaxim para dois comprimidos por dia e conseguia controlar os gritos assim que acordava dos cochilos no meio da madrugada e da tarde, é, eu estava cem por cento.

Ah, querida... Ah, querida...

Em cinco meses, eu havia progredido e estava perto de ser uma pessoa quase decente de acordo com o cronograma imposto pelos assistentes sociais e psicólogos. Continue desse jeito e você fará parte do seleto grupo de cidadãos do bem, se você conseguir ignorar mesmo que é uma assassina de crianças e...

— Está tudo bem — as palavras finalmente saíram e repuxei os lábios até que formassem um sorriso natural, uma concordância muda que fizesse o olhar atento de Ino relaxar e aquelas malditas vozes pararem de ferver meu cérebro em agonia e insanidade.

Tremi quando apalpei a cartela enfiada no bolso da calça jeans e um suspiro de alívio escapou dos meus lábios apertados, refiz cada gesto que indicava casualidade e quase acreditei que eu não precisaria da terceira dose, até perceber Gaara me encarando e meu estômago revirou em pura ansiedade.

* * *

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— Isso não é exatamente da sua conta — Tsunade mantinha os olhos focados na pilha de papeis e prontuários verdes que se acumulavam no meio da mesa, me remexi na cadeira rígida e senti meus joelhos batendo no tampo da mesa quando ela continuou: — Por que tanto interesse em Gaara?

— Acordei inspirada — respondi mau humorada e tentei ficar confortável na cadeira enquanto Tsunade arqueava uma sobrancelha. — Só quero saber com quem estou convivendo.

— Você acha mesmo que eu acredito nessa baboseira de quero saber com quem estou convivendo? — A voz dela afinou um pouco e contive a vontade de rir quando ela me imitou; os olhos dela continuavam faiscando em pura desconfiança quando finalmente me encararam. — Dê o fora da minha sala e pare de roubar o oxigênio que me resta.

— Não posso fazer isso — mordi o lábio inferior com força, minha garganta apertava porque eu sentia o esforço de articular aquelas palavras: — Preciso da sua ajuda, Tsunade.

O silêncio era a pior parte, considerando que os olhos caramelos dela me analisavam como se estivessem à procura de qualquer sinal que traísse meu nervosismo e desmanchasse a máscara de indiferença que eu me esforçava para manter diante de Tsunade.

Soltei o ar quando ela desviou o olhar e voltou a mexer na pilha de prontuários, e consegui me convencer de que havia algo de nobre que justificasse as minhas perguntas insistentes à Tsunade, Shizune e Kurenai pelas últimas duas semanas, e que nada daquilo fosse motivado pela voz chorosa de Gaara na biblioteca, berrando que ela estava viva.

Continue assim, querida. Continue assim e logo, logo, você estará longe daqui e vai voltar ao ensino médio e todos eles, TODOS eles estarão

— ...bem com você? — O gosto de bile estava na minha boca quando prestei atenção na mesa cheia de documentos, no ar abafado que eu puxava desesperadamente e no suor que escorria pelas minhas costas; eu prestei atenção em cada coisa como se estivesse seguindo uma lista de tarefas até pôr os olhos em Tsunade. — Você...

— Eu preciso entender porque que um garoto de dezesseis anos assassina uma família e continua no mesmo teto que a sobrevivente dessa família — uma pequena parte minha estava aliviada em finalmente despejar aquelas palavras horríveis e outra estava mais grata ainda por fazer Tsunade direcionar seu olhar preocupado para a pilha de documentos sobre a mesa.

— Isso não é problema seu.

— Passou a ser quando... — meus lábios formaram uma linha rígida, porque eu sabia que estaria abrindo mão de minhas próprias certezas quando abrisse a boca e confessasse: — Ino é minha amiga. Eu me importo com ela e...— o meu rosto ardia quando encarei Tsunade, e me forcei a continuar: — Nada nessa porcaria de situação é certa.

— O que você está querendo dizer, Sakura? — Havia um toque de ironia na sua pergunta, mas a postura relaxada de Tsunade era forçada.

— Você me disse que eu poderia te procurar quando precisasse de ajuda — arrisquei e os lábios de Tsunade formaram uma linha reta.

— Bem, isso foi antes de você agir como se fosse a justiceira solitária e me mandar para o inferno — trinquei o maxilar e Tsunade cruzou os braços sobre o peito e inclinou um pouco a cabeça enquanto me analisava. — E, além disso, eu estaria arriscando o meu salário e o meu confortável assento se você tivesse acesso ao prontuário de um interno.

— Não é...

— Além disso, Sakura Haruno, você agiu como uma perfeita babaca arrogante nas vezes em que eu quis te ajudar, porque seu ego adolescente estava tão inchado que mal cabia dentro desta sala — ela manuseou os prontuários com desinteresse e jogou SABAKU, GAARA na minha direção, como se fosse um jornal velho. O tom de voz dela continuou alto e seus olhos estavam fixos na pilha de papeis à sua direita. — Portanto, senhorita Haruno, pegue o seu ego machucado e cheio de hormônios adolescentes e dê o fora da minha sala.

Agarrei a pasta verde relativamente volumosa e a enfiei debaixo do meu moletom assim que levantei, e me limitei a responder obedientemente:

— Sim, senhora.

— Ah, mais uma coisa, justiceira arrogante — girei o pescoço e mantive a mão na maçaneta, Tsunade havia cruzado os braços mais uma vez e apontou para onde o prontuário estava escondido. Sua voz mal passava de um sussurro agora. — Não seja idiota com a informação que tem em mãos. Você pode precisar dela um dia desses.

— Por quê? — Franzi o cenho e não contive a pergunta clássica que parecia resumir muito bem a origem de boa parte das minhas próprias dúvidas e dos interrogatórios mentais.

— Se quer mesmo sabem com quem está convivendo, já devia ter entendido que conhecimento é poder — a sensação de que havia um sentido duplo nas palavras de Tsunade deixou meu cenho ainda mais franzido. — Dê o fora, garota. Há ouvidos por toda parte.

E, como uma pessoa quase decente, obedeci sem dizer mais nada.

* * *

Esfreguei os olhos pela terceira ou quarta vez enquanto folheava as páginas carregadas de carimbos, anotações e cópias de outros processos em que Gaara estrelava como réu, suspeito ou cúmplice. As duas únicas fotografias estavam presas na contracapa e o vazio nos olhos dele era igualmente perturbador como os lábios que se curvavam num sorriso que beirava ao de um maníaco.

Desviei os olhos daquela imagem, porque não foram os processos de tráfico de drogas, ameaça, desacato à autoridade, invasões à domicílio e assaltos à mão armada que haviam jogado Gaara dentro desses muros, mas aquela maldita frase “Eu matei porque quis”.

— Filho da puta sádico — sussurrei enquanto relia as duas páginas da confissão de Gaara na manhã seguinte ao assassinato da família Yamanaka. Parecia que aquela porra de expressão capturada nas fotos não era a base das respostas confusas e que se contradiziam ao longo da primeira página.

Ele soava mais como um garoto assustado ou chapado enquanto respondia ao interrogatório, as perguntas pareciam força-lo a seguir um roteiro e o máximo que ele fazia era se ater às induções dos policiais e concordar e discordar de acordo com o tipo de pergunta.

Você já os conhecia, não é? — Murmurei a décima pergunta e franzi o cenho ao ler a resposta confusa, tosca. — É, sim. Isso. Eu os conhecia. — Então vinha a próxima: — Eram os seus inimigos? — Que era seguida de outra resposta tosca, mais uma pergunta que soava retórica e lá vinha a concordância automática como resposta: — Não, não. Então foi um roubo que deu errado? É, isso mesmo.

Foi na segunda página que encontrei um pedaço de papel amarelado, com um logo de um hospital meio apagado no cabeçalho e acompanhei as linhas pontilhadas com datas e horários diferentes, todas com o nome de Gaara impresso ao lado. As duas últimas coincidiam com a noite em que os pais de Ino foram mortos e com um dia depois da confissão que havia sido usada para concluir a investigação.

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Ah, querida. Vamos lá, apenas some dois com dois e você terá

Minhas mãos tremeram e meu estômago embrulhou quando a ideia surgiu e se transformou numa possibilidade real e lógica de que, talvez, a porra do outro lado da história estava enterrada numa confissão falsa e num histórico de visitas a uma Mari em um hospital do outro lado da cidade.

Ele não poderia estar em dois lugares, não é querida? Ele teria que surgir feito mágica na casa dos Yamanaka enquanto visi... Li e reli os dados apagados e revirei as páginas restantes daquele maldito prontuário, procurando qualquer informação que me fizesse parar de tremer e dar crédito àquela porcaria de ideia de que...

Por favor não por favor não

— Porra — eu sentia meu pulso disparando e a adrenalina fazendo a vontade de fechar o prontuário e dar o fora dali se transformar numa necessidade conforme eu espalhava as páginas sobre a mesa. — Cadê você, droga?!

A pilha bagunçada de papeis intensificava a necessidade de fugir porque eu ainda escutava aquela voz na minha cabeça que me aconselhava a manter o plano original e simplesmente fechar os olhos para a outra versão dos fatos, enterrar as minhas suspeitas junto com os meus pesadelos e tratar com a mais férrea indiferença todas as conexões que eu queria enxergar naquele emaranhado de papeis.

O embrulho no meu estômago havia virado pura ânsia de vômito quando encontrei uma cópia do depoimento de Ino sobre o assassinato dos pais e comparei com a confissão de Gaara e o histórico de visitas dele num hospital no outro lado da cidade.

— Ah, merda — choraminguei. — Merda.

Finalmente encontrou o que procurava, não era querida? Encontrou sua lógica, não encontrou? Conseguiu, não é? O gosto amargo da bile encheu minha boca e trinquei os dentes enquanto juntava a papelada espalhada sobre a mesa e a enfiava dentro do prontuário outra vez, empurrei a cadeira com força e minhas pernas fizeram seu trabalho de me tirarem da biblioteca a passos largos e duros.

A sirene explodiu pelas caixas de som e acelerei meus passos, tentando me afastar o mais rápido possível das portas duplas de madeira; dobrei o corredor e apertei com mais força o prontuário de Gaara assim que o avistei encostado numa parede. Marchei na sua direção e cerrei o punho livre quando não havia mais do que dois metros de distância entre nós.

O rosto dele era uma máscara perfeita de irritação quando ele me reconheceu e a raiva emergiu com facilidade nos seus olhos.

— Escuta aqui...

— Seu filho da puta sádico! — Cuspi as palavras e joguei o prontuário verde nele com força, o máximo de reação que consegui foi choque. Quer usar isso como desculpa para jogar toda a merda no ventilador, use. Era a intenção quando pisei sobre os papeis.

— Que merda você tem na cabeça, sua drogada? — Ele avançou um passo e trinquei a mandíbula, me forçando a falar em voz baixa e da forma mais controlada possível:

— Como você tem coragem de mentir pra Ino todo maldito dia, hein? Como você tem estômago pra isso, seu desgraçado?

A minha respiração ofegante foi o único barulho que consegui escutar antes dos incontáveis adolescentes serem despejados pelos corredores e encherem o lugar com as vozes elevadas, meias conversas e piadas enquanto me empurravam ou esbarravam em Gaara durante o percurso que faziam.

— Pare de fazer perguntas sobre mim — aquelas palavras soaram tão claras como se tivessem sido berradas, mas o olhar vazio dele era mais perturbador ainda do que saber que pouco mais de dois passos nos separavam. — Nada disso é da sua conta, Haruno.

— Um cacete que não é! É meu problema porque você está ferrando com a vida da Ino desde quando pisou aqui — rosnei e segui a única ordem que martelava na minha cabeça: jogar a porcaria toda no ventilador. — Você é um mentiroso de merda, Gaara, e fodeu com tudo quando abriu a boca naquela delegacia.

— Eu não sei do que você está falan...

— Nós dois sabemos que é mentira. Você sabe de que merda eu estou falando agora mesmo. — Eu tremia enquanto despejava a merda no ventilador e me irritava mais ainda perceber que o maldito vazio nos olhos verdes dele parecia inabalável, mesmo que seu rosto indicasse o contrário. — Você nunca deveria ter ficado preso.

— Você é policial? — Eu queria desesperadamente acreditar que sua voz não soou estrangulada, que aquela reação não passava de pura imaginação, mas estava praticamente escrito na testa dele todo o seu desespero. Ah, merda. — Ou detetive particular pra ficar me interrogando bem aqui?

— Ah, merda — choraminguei outra vez e senti minha garganta apertando à medida que as palavras saíam: — Seu mentiroso de merda. Por que você deu a confissão que eles queriam? Por que você...

— Eles queriam um assassino, não queriam? — A voz embargada dele embrulhou meu estômago quando entendi que Mari e Temari possivelmente eram a mesma pessoa, a única pessoa que restava para Gaara. — Ao contrário de você, eu tive que fazer coisas que... Não, quer saber? Nada disso — ele apontou um dedo na minha direção e eu queria acreditar que seu tremor era tão bem dissimulado como a dureza nos seus olhos. —, absolutamente nada disso é da sua conta.

— Seu mentiroso de...

— Não se meta nisso, porra!

Nós dois gritamos ao mesmo tempo e cerrei os punhos quando Gaara avançou na minha direção, espalmei as mãos no peito dele e o empurrei com força, querendo qualquer reação além daquele maldito olhar frio. O máximo que eu consegui foi afastá-lo três ou quatro passos.

As minhas pernas pareciam ser de chumbo quando a sirene ecoou pelos corredores outra vez, e naquela hora eu não sabia se era uma questão de vontade ou inércia que me mantinha parada no mesmo lugar enquanto garotos passavam na minha frente e garotas me empurravam com os ombros ou cotovelos; a minha mente perturbada só conseguia associar que tudo aquilo era uma piada cruel.

Pode colocar na conta as brigas em público, a interminável cena de confronto e, é claro, criminoso e vítima dividindo o mesmo ar, no mesmo teto. Cruel. É. Pode apostar.

Senti o asco brotando feito uma camada de suor conforme mantinha o contato visual com Gaara, trinquei o maxilar quando ele avançou dois passos e a boa e velha raiva queimava qualquer pensamento coerente sobre dar as costas e fingir que nada tinha acontecido.

— Ei! Sakura! — Foi Gaara quem olhou primeiro na direção de Ino e senti o gosto de bile no céu da boca quase instantaneamente, porque o olhar desesperado de Gaara me obrigaria a mentir por ele. — Que porcaria...

— Eu preciso da sua ajuda, Ino — girei os calcanhares e forcei que as minhas pernas de chumbo trabalhassem para nos levar para longe daquele corredor. Puxei Ino pela manga da jaqueta de couro e me forçava a dizer: — A Tsunade disse que vai acontecer outra auditoria e, eu não tô a fim de escutar mais um discurso sobre moral e bons costumes, então só você pode me salvar dessa.

— O que aconteceu?

— Como assim, Ino? — Meu rosto doía e meus olhos ardiam por sustentar aquela droga de sorriso casual, minhas mãos ainda tremiam apesar de ter colocado uma boa distância entre nós duas e Gaara; eu não suportava mais o olhar preocupado de Ino analisando cada centímetro do meu rosto. — Você não me escutou?

— Sakura, o que diabos aconteceu entre você e o verme?

Quando Ino plantou os pés no final do corredor e pôs as mãos nos meus ombros, eu contive a vontade de correr até os malditos portões e tentar escalá-los, ignorei as palavras tóxicas que dançavam na minha cabeça e pendurei o melhor sorriso que pude nos lábios, porque eu sabia que tudo seria resolvido assim que a mentira deslizasse pela minha boca, resumida apenas em:

— Não aconteceu nada.

* * *

Você já conhece o caminho, não é querida?

Eu estava à beira de um novo colapso, eu sentia isso.

Sabe muito bem o

Cruzei os corredores com medo de que minhas pernas falhariam antes de alcançar o quarto 107 e arfei quando contei mais cinco portas até meu destino. Meu corpo parecia gritar por Profaxim e a saliva acumulava debaixo da minha língua, porque tudo o que eu queria era uma dose cavalar capaz de me dar o grande colapso, que apagaria meu cérebro fodido de vez.

Eu só havia avançado um passo quando meu rosto explodiu em dor e caí de costas, tentei abrir os olhos enquanto aquele choque de dor se concentrava no meu nariz; o ar simplesmente desapareceu dos meus pulmões quando senti a pancada no estômago, virei de lado e tossi com força.

— Ora, ora, ora... — trinquei os dentes quando alguém enfiou as unhas no meu couro cabeludo e torceu os dedos, minha cabeça foi levantada e pisquei até conseguir focalizar o sorriso satisfeito de Karin, bem na minha frente. — Não olha por onde anda, hã? — Outra torção e arregalei os olhos por pura dor. — Aonde ia tão apressada, Haruno?

A risada dela encheu meus ouvidos enquanto ela chacoalhava a minha cabeça e tentei agarrar seu pulso, a segunda pancada no estômago foi mais forte e não contive porcaria nenhuma quando o próximo golpe acertou meu joelho. Meu corpo todo explodia e remanejava a dor em pontos específicos, conforme eu descobria que não conseguia mais respirar pelo nariz.

— Responde, sua piranha!

O mundo inteiro estava rodando e o máximo de som que eu conseguia escutar era um zumbido irritante quando Karin bateu a minha cabeça contra o chão. Eu havia contado duas vezes antes de virar o corpo e ser forçada a ficar de quatro quando me puxaram pelo couro cabeludo.

Minha perna esquerda tremia quando finalmente fiquei de pé, só o suficiente para visualizar Karin e uma das guarda costas, que carregava um taco de beisebol amarelo e sorria para mim. Tentei puxar o ar pela massa pulsante de carne que era meu nariz e ergui os punhos assim que a ruiva avançou.

Então, eu caí.

Eu sentia o sangue pulsando nos meus ouvidos quando consegui levantar um pouco a cabeça, então meu rosto foi acertado de novo e de novo. A repetição no lado direito continuou por mais algum tempo e eu não conseguia mais abrir o olho direito; minha cabeça foi levantada pelo couro cabeludo e tentei manter o olho esquerdo aberto enquanto a segunda guarda costas, que havia me acertado em cheio pela lateral, me forçava a encará-la.

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— ...escutando... uno...? — A voz de Karin entrava e saía dos meus ouvidos depois que ela me acertou dois bons socos no lado direito do rosto. — ...fora... meu ca... inho... sua vad... sina...

Eu berrei com o resto de forças que restavam nos meus pulmões quando o bastão de madeira acertou meu joelho esquerdo outra vez, trinquei os dentes com força enquanto rolava e me forçava a levantar, porque eu sabia que aquela garota não pararia até arrebentar o meu joelho ou estourar a minha cabeça com aquele maldito taco de beisebol.

— ...não desiste, hein — meus braços doíam enquanto eu os mantinha erguidos para tentar me defender. — Gosto disso. É mais.... divertido. — A garota do taco de beisebol avançou e tentei jogar todo o peso do corpo na perna direita quando ela bateu a ponta do bastão na palma da mão aberta.

Meus braços serviram de escudo até certo ponto e absorveram boa parte do primeiro golpe, eu ainda gritava de dor quando o bastão terminou de estourar o lado direito do meu rosto.

Aí, eu apaguei.

O processo de abrir o olho esquerdo era mais difícil quando todo o resto do corpo parecia estar submerso em ácido e usei meus antebraços como apoio conforme arrastava o joelho bom até ter equilíbrio suficiente para levantar. Eu não conseguia manter a cabeça erguida por mais do que três ou cinco segundos ao mesmo tempo em que arrastava meus pés pelo corredor.

Na terceira vez em que ergui a cabeça, o mundo girou e percebi que havia uma pessoa correndo na minha direção; reparei que o filete grosso de sangue escorria do meu nariz até o meu queixo e que os meus joelhos começavam a dobrar, feito uma folha de papel.

— Ah, merda — rosnei as palavras com esforço, já que Naruto Uzumaki apertava as minhas costas e me forçava a ficar de pé. — É você.

Pela quarta ou quinta vez naquela noite, o escuro tomou conta de tudo.