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O Bispo
Acordo com mordidas no meu nariz. É quase impossível ter uma noite razoável de sono e sempre chegam para me atrapalhar.
Finalmente abro os olhos e vejo aquela coruja cinza do “mensageiro” me encarando.
Nas suas patas um novo envelope.
Pego o papel com receio e vejo a coruja voar indo embora de meu quarto.
Rasgo e um bispo branco cai no meu colo. Nem me dou o trabalho de ver se tem o “RW” gravado na peça.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Abro o pergaminho e leio:
“Algumas missões fazem doer na pele.
O bispo é aquela peça que não se tem muitas opções de jogadas.
Será que seu movimento limitado irá derrotar o rei?
A metade daquele que se foi”
O Jorge.
Eu sabia que a missão do Jorge estava próxima, mas pensava que ia ser depois, ele é de longe a pessoa que mais está sofrendo com a morte do Fred.
Se bem que eu não o vejo há muito tempo, e olha que moro na mesma casa que ele.
Pior que nem sei do que preciso salvá-lo.
Levanto decidido da cama, se tivesse que ser feito que seja logo e rápido.
Saio pela porta do meu quarto e a primeira pessoa na qual me deparo é minha irmã.
- E ai? Preparado? Hoje é aniversário da Mione e...
- Não Gina – não permito que ela continue falando – Nova missão – mostro a ela o pedaço de pergaminho – Prioridade atual.
- Como assim? Tem que ser hoje Ronald!... – ela continuou falando bobagens e eu fingi ouvi-la.
Cheguei à porta do quarto do meu irmão e bati.
- Entra – a voz dele respondeu.
Bom, pelo menos ele está falando e não ta com a doença da mamãe.
Aliás a doença. Qual será a doença do Jorge?
O encontrei deitado em uma das duas camas que tinham no aposento. Senão tivesse ouvido a voz dele me convidando a entrar pensaria que estava tirando um cochilo.
- E ai Rony?
- Ei Jorge, está dormindo? – perguntei.
Eu sei que ele não está dormindo, mas é realmente estranho vê-lo com os olhos fechados falando normalmente.
- Estou acordadíssimo! – ele respondeu empolgado sentando-se na cama.
- É que seus olhos estão fechados – disse meio receoso.
- Eu sei não é empolgante? Você não imagina o quanto passa a se conhecer melhor com os olhos fechados.
- Como assim?
- Está ouvindo isso? – ele perguntou levantando os dedos apontando pra janela.
- Ouvindo o que? – a casa está no completo silêncio.
- Tantas coisas Rony, lá fora escuto um pássaro que acabou de se banhar no lago, escuto passos de um gnomo, escuto o papai mexendo na garagem, escuto a Gina batendo os pés levemente no chão do outro lado da porta. Coisas que não conseguia ouvir com os olhos abertos.
- Mas... – comecei a contestar.
- E o cheiro Rony? Consegue sentir o orvalho lá fora misturado com o café da manhã que a mamãe está preparando?
- Não – respondi.
- Os sentidos ficam mais apurados quando se resolver perder um deles.
- Resolve perder um dos sentidos? – perguntei abalado – Jorge você enxerga. Abre esses olhos!
Ordenei.
- Não! – ele negou nervoso – Estou a mais de um mês com meus olhos fechados e assim vou permanecer.
Merlin! O Jorge enlouqueceu!
- Mais de um mês – sussurrei para mim mesmo, tentando acreditar nisso.
- Rony venha aqui – ele me chamou e bateu a mão ao lado na cama.
Sentei ao seu lado.
- Feche os olhos – ele pediu, eu não obedeci – Vamos de uma chance – insistiu.
Como ele sabia que estou com os olhos abertos?
Enfim, o obedeci e fechei meus olhos.
- Está ouvindo as coisas com mais nitidez Rony?
Tento me concentrar mas não escuto nada. Absoluto silencio.
- É... – eu disse sem convicção.
- Eu sei, o começo é complicado, mas com o tempo você se acostuma e nota que viver com os olhos fechados pode ser proveitoso.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!- Proveitoso? – questionei abrindo os olhos e saltando da cama.
- É cara! Sabe eu estava até pensando, posso até inventar um óculos que bloqueia a visão e vender nas “Gemialidades Weasley”, to precisando de novas idéias desde que o...
E então ele parou de falar.
- Tudo isso é por causa do Fred? – perguntei.
- Não – ele prontamente negou.
Cheguei mais próximo a ele e pedi num sussurro:
- Jorge, abre os olhos.
- Para que? – ele perguntou levantando da cama na qual estava sentado – Posso fazer tudo com os olhos fechados. É simples e me salva.
- Abre os olhos – voltei a pedir.
- Não! Ser cego é minha nova filosofia de vida!
- Ninguém adota o “não enxergar” como filosofia de vida! Abre os olhos – voltei a ordenar.
- Não é só porque você acha que enxergar é necessário que as outras pessoas pensam igual.
- É loucura Jorge, você enxerga! Devia colocar em uso esse sentido.
- Não consigo abrir meus olhos, não consigo – ele andou até a janela devagar e virou o rosto para eu não vê-lo – É mais simples viver sem enxergar, é menos doloroso.
- Não é mais simples e nem menos doloroso, é a saída mais fácil – eu lhe disse.
- É fácil pra você falar quando está de fora, quando não é você que abre os olhos e enxerga o Fred no espelho.
- Jorge...
- Não! – ele negou levantando a palma da mão para mim cansado – Não me peça para abrir os olhos. Eu simplesmente não posso.
- Por quê? – perguntei não esperando a resposta.
Jorge suspirou fortemente e começou a me explicar.
- Olhe para os lados Rony, para todos os lugares tem espelhos.
Espelhos? Olhei ao redor e vi somente um espelho pregado na parede.
- Não necessariamente espelho no sentido literal. Há reflexos por toda parte, no vidro da janela, na madeira da cama...
Reparei nos olhos rudemente fechados que meu irmão insistia em deixar.
- Quando abro os olhos o vejo.
- É você, não ele – sussurrei.
- É fácil para você falar quando não tem os mesmos olhos, o mesmo nariz, o mesmo cabelo, a mesma voz. Eu o vejo quando olho meu reflexo e isso acaba comigo. Então o ato de fechar os olhos é simples e menos doloroso.
Não consegui dizer mais nada.
- Eu tentei fazer meu caminho, eu tentei mudar esse conceito que pus em minha cabeça – ele virou seu rosto para mim, mas continuava com os olhos fechados – É melhor você acreditar que eu estou tentando superar isso.
O vi voltar a deitar na cama e envolver seu braço direito por cima de seus olhos.
O Jorge vê o Fred como um fantasma do passado, como um ser que ele era antes dele partir. Como o faço abrir os olhos?
“Encarando os fantasmas do passado” – respondo por pensamento
“Mas ele precisa abrir os olhos como faço para ele abrir os olhos?” – perguntei.
“Matando os fantasmas do passado” – respondo.
Fantasmas = Espelhos.
Já sei!
- Eu já volto – anunciei.
Quando abri a porta dei de cara com a Gina carrancuda com os braços cruzados.
- Agora não – disse antes que ela abrisse a boca.
Corri escada abaixo e encaminhei para fora de casa, fui para o velho armário de vassouras e peguei o bastão de batedor da época que jogávamos quadribol nos jardins. Parece que faz tantos anos.
Voltei rapidamente para o quarto do Jorge. Abri a porta arfando.
- Você tem que encarar os fantasmas do passado – anunciei.
- O que?
- Tem que parar de perseguir a sombra do Fred e encontrar a sua própria.
- Eu já disse que...
- Você esqueceu, ou fingiu esquecer, é mais fácil deixar “para lá”, é mais simples negar que o mundo de repente virou de cabeça para baixo. Onde está o chão que costumava pisar? Tudo desmoronou.
Jorge estava sentado em sua cama encolhido, tampando os ouvidos, tentando parar de ouvir minhas palavras.
- Mas o negar é o que te mata aos poucos, o ato de fechar os olhos é o que vai te cegar e não te deixar enxergar o alguém que você é sem ele.
- Cala a boca! – ele gritou apertando sua cabeça.
- Mate os fantasmas do passado.
Cheguei perto do meu irmão e o fiz sentir o bastão que havia levado ao quarto.
- O que quer dizer com isso? – ele questionou confuso.
- Acabe com os espelhos que te rodeiam Jorge.
- Como?
- Veja!
Levantei o bastão de quadribol e arremessei direto na janela do quarto fazendo o vidro se despedaçar.
- A mamãe vai te matar – ele exclamou.
Jorge estava olhando o estrago que eu havia provocado.
Sim! Estava vendo!
Com os olhos bem abertos aliás.
- Mate os fantasmas do passado.
Lhe entreguei o bastão.
Jorge levantou da cama decidido e com um ódio enorme golpeou o enorme espelho do quarto.
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Perdi as contas de quantas vezes o bastão foi de encontro ao espelho.
Após um tempo, quando ele achou que fosse o suficiente, parou seu ato e encarou os milhares de rostos que se projetaram nos cacos rachados no chão.
Arfando e com lágrimas nos olhos ele me encarou e disse:
- Uma parte de mim morreu quando deixei ele ir.
Tentei abrir a boca pra falar, mas ele me interrompeu.
- Encarar os fantasmas do passado? Abrir os olhos? O que adianta? Nada mudou.
Enquanto o via encaminhar porta a fora e se trancar no banheiro notei que essa missão não havia acabado.
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