(Nem) Todo Mundo Odeia a Emily

Todo mundo (realmente!) odeia cartas.


—Você terá que fazer todos esses trabalhos... – O meu professor gay que me deixou de recuperação em Inglês falava com a sua voz “achatada”, enquanto eu tirava o esmalte que usei na noite anterior. O que posso dizer? Branco não combina com os meus olhos. – E então, no fim das férias fará um teste valendo 50% da nota de recuperação, mas acho que você já conhece o procedimento... Está me ouvindo, senhorita Evans?!

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—Eu gostaria de não estar, e pra falar a verdade, por três segundos inteiros desejei ser surda. – Essa sou eu sendo sincera, um beijo.

—Senhorita Evans, sabe o que eu fazia no meu tempo quando estava de férias?

—Sei lá, montava em dinossauros? – Dei de ombros.

—Eu não sou tão velho! E eu fazia de tudo, porque NUNCA fiquei de recuperação! E boa sorte tentando inventar uma desculpa pra sua mãe quando reprovar o ano depois de ter falhado na recuperação, coisa que eu sei que vai acontecer! – A voz dele atingiu um tom tão agudo que tive calafrios. – Você me insulta tanto que decidi não jogar fácil com você. Agora você pode ir, incompetente! – E jogou aquelas quinhentas toneladas de papel de trabalho sobre o meu frágil corpinho.

—Só isso? – Fiz uma cara de peixe morto. – Terminou? Sabe de uma coisa? Eu não gosto de você, não gosto mesmo! – Agora que ele cutucou a ferida, iria ouvir tudo o que eu sempre quis dizer. – Espero que você morra engasgado com seu próprio vômito após ter náuseas em saber que eu passei nessa maldita recuperação! Pois eu vou passar, é uma promessa! – É uma promessa? Eu não posso prometer coisas que não tenho certeza que vou cumprir, mas... tá valendo. – Tenha um horrível e... nojento verão! – Saí batendo a porta da sala. Ele simplesmente ficou lá horrorizado, com a boca entre aberta e a mão no peito. Provavelmente teve um ataque enquanto eu rumava para o meu armário, o qual iria desocupar já que todo mundo faz isso.

Tudo que tinha lá era um fichário, então... Deixei ele lá mesmo. Já deve ter se acostumado no habitat, e também nem sei de que matéria era aquilo. Quando fechei meu armário, vi Samantha caminhando com uma imensa caixa de decoração que reconheci ser da noite anterior. Vai ver ela estava ajudando a desocupar o salão.

—Pra quem está marcada para morrer você até me parece bem calma, Emily. – Fiz uma cara de desentendida quando ela disse isso e parou na minha frente. – Estou brincando. Como era de se imaginar a Zooey está com a reputação meio abalada e talvez ela nem pense em matar vocês agora.

—Ela tá legal? Não que eu esteja interessada, mas vai saber o que aconteceu com ela depois que ela saiu daquele baile, não é?

—Me surpreendi em saber que ela veio pra escola hoje. E ela tá legal sim, só está com aquela cara dela normal e não deu um pio com ninguém. Ninguém.

—Melhor assim.

—Eu disse que ela continuaria a mesma. Mas acho que pelo menos ela vai nos deixar em paz. – E dizendo isso ela deu de ombros mesmo com a caixa em mãos e saiu.

O que posso dizer? Só repeti o gesto de dar de ombros dela e voltei a pensar na noite anterior, a qual não saia um segundo da minha mente, mas não quero falar sobre isso, ok, consciência?

—X-

Mais tarde, quando saí do banho e me enfiei num par de roupas limpas, me lembrei que minha mãe pediu pra que eu tirasse o lixo, mas como não sou uma filha muito exemplar, vou fazer de conta que esqueci.

Quando olhei pra minha sacada, vi um dos gêmeos pela primeira vez no dia, e de certa forma fiquei grata por ser o Lukas e não o Thomas quem estava lá.

—Oi, Lukas. Como passou de ontem pra hoje? – Saí na minha sacada pra bater um papo. Sabe como é.

—Bem... eu acho. – Ele sempre sorri no final de cada frase, mas já superei totalmente isso.

—E como está o... Thomas? – Perguntei por perguntar. Ele provavelmente já deve saber o que o irmão dele fez ontem a noite.

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Ele passou a mão pelo cabelo, respirou fundo e declarou:

—Não muito bem. Ele está no sofá desde cedo balbuciando “eu não deveria ter contado”, “detesto dizer isso mas sou muito burro”.... Coisas assim. – Não pude evitar rir. O Thomas desse jeito?

—É complicado, mas diz pra ele que tá tudo bem. Ele disse pra não me afastar dele, e eu não quero que isso aconteça.

—Eu falo sim.

—Valeu, agora tchau, tô com sono. – Ele riu da minha falta de educação e cada um foi pro seu quarto. Eu fechei a porta da sacada e também a cortina, porque nunca se sabe, não é?

Vejamos o que vou fazer agora. Começar os trabalhos de recuperação? Nem pensar! Colocar o lixo pra fora? Já disse que vou fingir que esqueci. Limpar meu quarto? Só em outra vida. Dormir? Parece uma boa ideia. Ah, tenho uma ideia melhor: vou olhar a correspondência.

Após ter voltada da caixa do correio coloquei as correspondências todas sobre o balcão da cozinha.

Contas, contas e contas. Propagandas.... Uh, uma carta pra minha mãe. Da Flórida. Do Josh, vulgo meu pai.

Espera.

—X-

A casa estaria completamente escura se não fosse os abajures da sala estarem acesos. Eu levantei do sofá onde estava sentada assim que minha mãe abriu a porta. Cruzei os braços, ainda com uma das mãos segurando a carta.

Difícil de explicar o turbilhão de coisas passando pela minha cabeça agora, desde o Thomas e agora essa carta, até a filosofia da vida.

—Você sabe o que é isso, senhora Evans? – Indaguei assim que ela acendeu as luzes.

—Um cheque de um milhão de dólares? – Agora já sabem de onde vem meu senso de humor.

—Não, mãe. É uma carta. Do Josh. Que até onde eu sei é meu pai.

—Emily, você já está bem grandinha pra ficar fazendo essas palhaçadas.

—É mesmo uma palhaçada, só que é de verdade mãe. É uma carta da Flórida, do meu pai pra você.

—Emily, isso é impossível. Não falo com seu pai desde que ele se mudou pra lá. Ele nunca procurou saber de nós. Pra que isso agora?

—Aparentemente ele se deu conta da minha existência e decidiu te mandar uma carta. O que eu acho super brega. – É, cartas não são nenhum pouco legais. Experiência própria.

—Então você já leu?

—Óbvio que sim. – Respondi, enquanto ela tomava a carta da minha mão. – Ele está louco, mãe. Só pode.

Esperei em silêncio, embora impaciente, enquanto ela lia.

—Essa é a maior piada que já vi na vida! – Ela exclamou. Não sei se estava brava ou só indignada.

O que a carta dizia era simplesmente uma piada mesmo. Ele perguntava como estávamos e se poderia vir me visitar. Dizia também que estava arrependido de seus erros, e que queria, agora, ser mais presente na minha vida. Estava arrependido por ter me deixado e talz. Só queria saber quando é que poderia começar a rir da situação.

—Acredita nisso, mãe? Acredita? Ele deixou o número de telefone para que ligássemos pra ele. Como se ele tivesse ligado pra gente alguma vez na vida!

—Calma, Emily. Calma.

—Isso está mesmo acontecendo? É mesmo o meu pai mãe?

—Aparentemente sim, Emily. Não sei o que deu nele pra te procurar depois de tanto tempo.

Ficamos em silêncio. Acho que nem meus dois neurônios estão funcionando mais.

—E agora? – perguntei. E eu realmente queria que ela tivesse a resposta do que eu deveria fazer agora.

—Não sei, filha. Só sei que você não tem que decidir nada precipitadamente.

—E se for só uma mal entendido, mãe? Vai ver ele estava bêbado e escreveu essa carta.

—Não sei, realmente não sei. Apesar de eu estar indignada, se uma hora você quiser falar com ele, e tirar essa história a limpo, é só ligar. E se não quiser também não tem problema algum. Você quem sabe Emily.

AH! Isso é tão inacreditável! Estou tão confusa que me deu até vontade de comer sorvete! Vou contar pro Thomas e chamar ele pra ir co- Ah, é, o trouxa não está falando comigo e estamos estranhos um com outro. Por falar nisso... Essa é a semana das coisas inacreditáveis!

—Está escutando isso? – Minha mãe cortou meus pensamentos, chamando a minha atenção pra alguns gritinhos histéricos que vinham da rua.

—Ah, mãe. Eu tenho muita coisa pra pensar. Não estou escutando nada não.

Subi pro meu quarto tropeçando nos degraus da escada. Me joguei na cama e fiquei encarando o teto. Tentei não pensar em nada e até que estava me saindo muito bem. Meu sono acumulado estava falando mais alto que os pensamentos que eu sabiamente decidi bloquear da minha mente.

—Emily! – Minha mãe abriu a porta com tudo, como se a casa fosse dela. Oxe, só porque é dela mesmo ela não pode fazer isso não.

—Que foi agora?

—Era a Zooey quem estava gritando na porta da casa dos Schultz. – Minha mãe sabia quem era minha queridíssima amiga Zooey.

—Quê?

—Eu sai na varanda pra ver que gritaria era aquela e ela estava lá, gritando e muito brava. O pai dela, Sr. Grey, também estava lá, tentando conversar com os Schultz enquanto a Zooey gritava e xingava o Thomas. Que loucura! Você tem alguma ideia do que pode ter acontecido?

Vixi. Pior que tenho.

—Mas eles não vieram aqui em casa não ne? – Nem pareci culpada agora, hein?

—Emily? E essa cara de quem fez besteira?

—Não foi culpa minha, tá, mãe? Afinal ela estava gritando na frente da casa do Thomas, não da nossa. Mas acontece que o Thomas quis se vingar dela por ela ser tão insuportável, que acabou chamando ela pro baile.

—Mas o Thomas foi com você no baile. – Minha mãe estava confusa.

—Exatamente.

—Ai meu Deus! – Lá estava minha mãe fazendo drama de novo. – Como assim, Emily? Como assim você fizeram uma coisa dessa?

—Não foi nada de mais, mãe. Nada de mais se tirar o fato que todo mundo falou mal dela por ela ser insuportável. Na cara dela. No baile. Não foi só eu.

—Não né, espertinha? O Thomas deve estar encrencado. Você devia falar com ele.

—Não devia não. – Rebati tão depressa que minha mãe me encarou mais curiosa ainda.

—Algum problema entre você e o Thomas?

Todos.

—Nenhum.

—Então vai falar com ele.

—Amanhã eu falo, mãe. Amanhã.

—Ok. Mas você vai falar. Perguntar o que aconteceu, se ele ficou muito encrencado....

—Tá, tá, mãe. – Estava emburrada.

—Pare de ficar emburrada assim. É por causa da carta não é?

—Lógico. – Também né. Ainda tinha o fato do Thomas ter dito que gostava de mim. E cara, ele era meu amigo. Até agora não sei o que fazer sobre isso também.

—Emily, está tudo bem. – Ela se sentou do meu lado na cama, e me olhou com cara de piedade. – Você não precisa decidir nada agora, eu já disse.

—Você tá de boa com isso, mãe? Com a carta?

—Não muito. Mas é seu pai. Não tem nada que eu possa fazer sobre isso. – E suspirou. – Dorme um pouco, amanhã é outro dia.

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—Ok. – Suspirei. – E tem certeza que ninguém veio aqui em casa gritando não ne?

—Não, sua boba. Devem ter ido na casa do Thomas porque ele que tratou de ir com ela no baile, de certo.

“Pobre Thomas”, pensei comigo.

—Deve ser. Boa noite, mãe.

—Boa noite, Emily. – Sorriu e me deixou sozinha com meus pensamentos.

Ai que bosta. Se eu fosse uma menininha toda delicada agora seria uma boa hora pra chorar. Ainda bem que não sou.

—X_

—Emily, por que você está estranha assim? – Anthony me perguntou enquanto eu tentava ligar o videogame na minha televisão.

Já era um novo dia e meus amigos retardados já estavam na minha casa logo cedo. Quer dizer, ainda faltava o Gregory chegar.

—Não é nada, Anthony. Só tô com fome.

—Eu hein.

Quando ele terminou a frase Gregory entrou em casa cantarolando.

—Cheguei, gente. – Declarou, se jogando no sofá ao lado do Anthony.

—Jura? Jura pela morte da sua mãe? – Ironia pra quê te quero.

—Ah, vá ver se eu tô na esquina, Emily.

—Eu não. Você mesmo acabou de falar que chegou. Eu hein.

Anthony ria da nossa idiotice e eu finalmente consegui ligar a tv.

—Eu acabei de passar em frente a casa dos gêmeos e chamei eles pra virem jogar com a gente... – Gregory se pronunciou.

—Você... o quê?! – Alguma coisa estralou dentro do meu cérebro.

—...Mas eles nem puderam vir. – Completou a frase. – Por que raios você tá esquisita assim, Emily?

—Eu acabei de perguntar a mesma coisa! – Anthony emendou.

—Ai, gente. Vocês nem sabem o que aconteceu.

—O que? – Os dois perguntaram em uníssono.

—E nem vão saber porque eu não vou contar! A-há!

—Chata! – Anthony tacou uma almofada em mim.

—Nossa mais é chata! – Gregory emendou.

Eu tinha que contar pra eles. Pelo menos sobre a carta do meu “pai”. Algo me dizia que eles podiam me ajudar.

—Eu vou falar... É que eu recebi uma carta. – Me sentei no chão de frente a eles. – Do meu “pai”. – Fiz aspas no ar.

—Ta. Espera. – Anthony tentava raciocinar.

—QUE LEGAL!!! – E Gregory já estava gritando como de costume. E recebeu uma cotovelada bem merecida do Anthony.

—Não é tão legal assim, não. Porque agora eu não sei o que fazer. Ele deixou o número dele pra que eu ligasse, mas... cara. E se eu ligar? Como que as coisas ficam?

—Depois de todos esses anos ele decidiu falar com você? – Anthony indagou.

—Parece que sim. Foi como eu disse pra minha mãe, vai ver estava bêbedo e escreveu a carta. Vai saber.

—Eu acho que você não deve ligar. – Anthony declarou.

—Por que não? – Gregory perguntou.

—Porque não, oras. Espera pra ver se chega mais uma carta. E aliás, foi ele que te deixou primeiro. Se ele quiser realmente te assumir como filha ele vai achar um jeito de falar com você novamente. E se isso só for uma falsa esperança?

—É, mas... – Pensei por alguns segundos. – Você tem razão. Já passei toda minha vida sem ele e sobrevivi. Não preciso dele agora.

Vamos ver quanto tempo mais eu adio essa história. Eu sempre faço isso, adio as coisas que exigem muito esforço do meu cérebro.

—ENTÃO, VAMOS JOGAR! – Gregory gritou, como se nem estivéssemos conversando um assunto sério.

Eu e Anthony olhamos pra ele com cara de c*.

—No fundo você tem razão. Vamos jogar e esquecer esse assunto. – Suspirei. – E só pra constar: eu estou com fome.

— X_

Já era umas três da tarde quando os acéfalos foram embora. E eu decidi que iria falar com o molambento do Thomas de uma vez por todas. Não podia mais adiar.

Só que eu tenho que confessar que estava nervosa.

Nossa, não acredito que sequer pensei que estou nervosa. Puff. Por favor né. É só o Thomas que disse que gosta de mim e que eu não vejo faz uns dois dias porque disfarçadamente estamos nos evitando. Nada demais.

Peguei minha cara e minha coragem e desci as escadas rumo à casa dele. Pensei umas dez vezes antes de bater na porta.

Bati.... Bati e bati de novo.

—É, não tem ninguém em casa. – Dei meia volta e comecei a andar. O universo está de prova que eu bem que tentei. Mas não deu pra conversar com ele, nossa, que pena.

—O que você quer? – A porta abriu com tudo atrás de mim.

Me virei lentamente e respondi:

—Uma esmolinha, por favor, senhor.

—Estúpida. – Senti falta daquele sorrisinho.

—Você está me evitando. – Dei um passo em direção a ele, porque já tinha até começado a andar pra ir embora.

—Não tô não.

—Ah, é? Então porque não foi jogar com a gente hoje de manhã, senhor Thomas?

—Porque... – ele fez uma pausa e pareceu pensar um pouco – Tivemos que sair, senhorita Emily. A gente ficou ocupado resolvendo as coisas da mudança.

—Que... mudança?

—Nós vamos voltar pra Alemanha. – Não sei se era eu, mas acho que o mundo parou de girar por uns minutos.